Wine Bar do Esporão – Onde a terra se serve em pequenas porções

O Alentejo não pede desculpa pela sua vastidão. O Esporão também não. Na mesma herdade que alberga o restaurante estrelado de Carlos de Albuquerque Teixeira, existe um espaço ainda mais contido e descontraído, igualmente alinhada com os valores e o pensamento que definem todo o projeto: o Wine Bar.

Algumas semanas depois de visitarmos o restaurante gastronómico (ver aqui) e de nos rendermos não só à proposta gastronómica colocada sobre a mesa, mas a todo o guião orquestrado que comanda a herdade, voltamos. Agora, à sua sombra literal e simbólica, regressamos para conhecer o seu irmão mais leve: um espaço informal, mas não menos rigoroso.

Arquitectonicamente, o Wine Bar segue a mesma lógica de design do restaurante principal, numa continuidade modesta de elegância e coerência, onde contenção fala sempre mais alto que excesso. Embora o ambiente seja claramente mais descontraído, não falta cuidado, detalhe e uma carta pensada com idêntico compromisso – aqui com uma ressalva, abrange todos os gostos e interesses. A pequena sala partilha a luz natural com a loja da herdade, onde se pode encontrar a seleção completa de vinhos da casa – incluindo raridades como o espumante Quinta do Ameal 2006.

Sob a direção do mesmo chef, Carlos de Albuquerque Teixeira, o Wine Bar é mais do que um espaço anexo. É uma extensão filosófica do Esporão, adaptada a outro ritmo e outra fome. Aqui não se fazem concessões ao banal, mesmo quando se servem pastas ou petiscos – É sobre comer bem, sem cerimónia.

Pão e companhia sobre a mesa
Pão e companhia sobre a mesa

A Linguagem da Partilha

A carta, com opções para partilhar, propõe pratos que cruzam tradição e reinvenção: ovos mexidos com farinheira, peixinhos da horta com molho tártaro, empadas de galinha ou pezinhos de coentrada com batata doce. Mas também petiscos de vegetais da quinta e pratos de peixe de rio, em sintonia com o que se serve na cozinha principal.

Optámos pela proposta de degustação porque algumas conversas ficam melhor entregues ao chef, e começámos como se deve: com o excelente pão da casa e uma deliciosa pasta de beringela e courgette assada. Um arranque com o tipo de simplicidade que exige que tudo seja perfeito, vegetal e untuoso, que prepara o palato e acomoda o estomago para o que virá.

Salada de Tomate

Seguiu-se uma salada de tomate que, apesar da simplicidade aparente, revela um equilíbrio preciso entre a acidez dos tomates, a riqueza do azeite com ervas, a doçura dos figos, a cremosidade da mozzarella da Ortodoxo, o frescor do piso e o crocante dos frutos secos. Sabe a almoço de Verão. Alguns pratos transportam; este planta-nos exactamente onde estamos.

Brioche com porco ibérico
Brioche com porco ibérico

O brioche caseiro recheado com porco ibérico, remoulade de maçã, ervas e pickles, chega como uma carta de amor à indulgência, uma sensação que só o comer com as mãos nos consegue transmitir. Um prato onde o conforto e o sabor se encontram, ainda que certamente o preferiria recheado com os lagostins do rio, em jeito de “lobster roll” do Alqueva.

Pasta de pão, lúcio-perca e molho de lagostim
Pasta de pão, lúcio-perca e molho de lagostim

Depois vem a revelação do dia: pasta nascida do pão de ontem, emparelhada com lúcio-perca e um molho de lagostim tão profundo e consolador que podíamos viver dentro dele. Um prato que demonstra que a criatividade também se faz de contenção, de aproveitamento e de saber. Uma ideia que faz eco do pensamento de Massimo Bottura e do seu projeto Food for Soul, ao mesmo tempo que espelha a mais profunda tradição alentejana, onde o pão velho ganha nova vida como gesto de combate ao desperdício e de valorização do essencial.

Presa de Porco Ibérico e courgette
Presa de porco ibérico e courgette

A carne veio sob a forma de uma presa de porco, puré de courgette assada com miso e salada de courgettes – repetição como ênfase em vez de preguiça. O puré brilhou pelo sabor e textura – mais uma vez o chef transformou a básica e sensaborona courgette em algo sublime; a presa, embora cozinhada a baixa temperatura, revelou-se um pouco seca. Confesso preferi-la sempre mal passada e de cozedura mínima. Talvez por isso, aqui fizesse mais sentido um corte com mais gordura, como o cachaço ou o joelho, sobretudo neste registo mais informal.

Pudim de vinho do Porto
Pudim de vinho do Porto

A sobremesa, podemos dizer que seria uma variação do icónico Abade de Priscos: um sedoso pudim de vinho do Porto acompanhado por gelado de maçã e poejo , cuja presença se sentiu necessária para equilibrar a sensação de doçura. Rico e sem ostentação –  Um final que espelha a filosofia de toda a experiência.

Para além da cozinha, o serviço reflete também ele a linguagem do Esporão, demonstrando que há uma equipa e uma identidade, aqui mais relaxada, mas sem se deixar levar pelo efeito da sombra do chaparro. Beberam-se diferentes propostas, desde o Ameal Solo Único 2023, ao Touriga Nacional de 2017, passando pelo DB30 tinto, que homenageia os 30 anos passados pelo enólogo David Baverstock na propriedade e ,claro, um Porto Tawny 10 anos da Quinta dos Murças.

 

Considerações Finais

No Esporão encontramos uma hospitalidade que compreende o seu lugar—suficientemente séria para quem procura comunhão com a filosofia da propriedade, suficientemente descontraída para quem simplesmente quer combinar um bom vinho com uma comida simples e bem feita que lhe conforte a saciedade. O silêncio continua a temperar tudo, e o cuidado, esse não diminui porque as expectativas o fazem. 

Foi mais uma ótima refeição, que comprova não só a versatilidade da cozinha do Carlos como toda a filosofia do projecto. O Wine Bar é daqueles restaurantes que gostaríamos de ter ao lado de casa, mas que, na verdade, só poderia existir ali, enraizado no mesmo solo que alimenta as vinhas e os animais que chegam à mesa, sendo parte da mesma conversa entre terra e prato que torna o Alentejo mais que geografia, mais do que território!

Alguns lugares transplantam-se. Outros pertencem exactamente onde estão, servindo a terra em porções talhadas para o apetite humano.

A ir e voltar sem medo de ser feliz!

MORADA: Herdade do Esporão, Reguengos de Monsarraz
RESERVAS: 266 509 280
ABERTO: Terça a Sábado, 12h30-15h00
PREÇO MÉDIO: €25 (sem vinhos)
IMPERDÍVEL: O Pão, os vegetais e a Pasta

Fotos: Flavors & Senses
Textos: João Oliveira
Versão Inglês
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