Há sonhos que habitam a nossa imaginação durante anos, crescendo silenciosamente como as trepadeiras que abraçam os muros antigos de Florença. Desde 2013, quando comecei a escrever sobre a arte de bem receber, um nome sussurrava-se constantemente ao meu ouvido: Four Seasons Hotel Firenze. Talvez porque foi Florença o destino inaugural das minhas viagens com o Flavors & Senses, ou talvez porque esta cidade — a minha eleita no mundo — possui uma alquimia única de luz dourada, arte imortal e silêncio sagrado que me transforma sempre que a piso.
Durante uma década, o Four Seasons permaneceu no meu imaginário como a quintessência da hospitalidade florentina, um lugar onde a excelência italiana encontra a precisão suíça num abraço renascentista. Agora, mais de dez anos depois, o sonho realizou-se — e foi mais do que uma estadia: foi um regresso à essência.
“Às vezes, os sonhos não só se realizam — como nos superam.”
Onde o Tempo se Rende à Eternidade
Florença possui um dom raro: obriga-nos a abrandar. Os sinos das igrejas que marcam horas inexistentes, o dourado líquido que se derrama pelas fachadas ao crepúsculo, o eco ancestral dos passos nas pedras da calçada — tudo conspira para nos lembrar que alguns lugares existem fora do tempo linear.

No Four Seasons Hotel Firenze, esta suspensão temporal atinge dimensões quase místicas. Quando o portão se abre — como uma cortina de veludo que revela um palco secreto — somos imediatamente transportados para um mundo dominado pelos Medici e artistas geniais, e envoltos pelos 4,5 hectares de jardins privados, os Giardini della Gherardesca, os maiores da cidade. Aqui, entre ciprestes, caminhos românticos, esculturas que parecem respirar, fontes e um silêncio precioso, o tempo não apenas abranda: dissolve-se numa combinação de eternidade.
Entre Palácios e Conventos
O hotel habita dois palácios históricos que encerram duas faces da alma florentina: o Palazzo della Gherardesca, erguido no século XV, quando os Medici ditavam o gosto europeu, e La Villa, antigo convento do século XVI onde monges teceram orações em latim durante gerações. Desde a abertura em 2008, o Four Seasons manteve um compromisso quase religioso: preservar cada fresco, cada viga de madeira, cada pedra centenária, enquanto oferece um conforto contemporâneo que jamais trai a dignidade histórica do conjunto.

Em outubro de 2024, esta filosofia ganhou nova expressão com a metamorfose do antigo anexo conventual, rebatizado Palazzo del Nero. Aqui, 36 quartos e suítes foram reinterpretados com tecidos vibrantes de tecelões italianos, luminárias artesanais que filtram a luz como vitrais profanos, e uma paleta cromática que estabelece um diálogo respeitoso entre passado e presente. É também neste edifício que encontramos duas novas joias gastronómicas: o Onde Firenze, onde a cozinha criativa do chef Paolo Lavezzini ganha uma voz jovem e irreverente, e o Bar Berni, um salão aristocrático com um terraço deslumbrante, onde os cocktails são compostos como sonetos líquidos.

O hotel conta agora com 116 quartos e suítes, cada um uma narrativa única, onde frescos restaurados convivem com tapeçarias de seda, tetos abobadados enquadram mobiliário de época e cada detalhe sussurra histórias de príncipes, cardeais e artistas renascentistas que aqui deixaram a marca das suas paixões.

O Santuário da Scala Suite
Ficamos na Scala Suite, uma das Renaissance Suites do Palazzo principal, e posso afirmar sem hesitação que foi uma das experiências de hotelaria mais transcendentes da minha vida. Entrar neste espaço é como ser convidado para o salão privado de Lorenzo, o Magnífico — um lugar onde a História não é museu, mas casa viva.
Os frescos preservados nas paredes contam épicos silenciosos, enquanto a luz diáfana que se filtra através das janelas de época cria uma coreografia de sombras e dourados que muda a cada hora do dia. Os tecidos nobres acariciam os sentidos com uma delicadeza que só séculos de refinamento podem produzir.
A casa de banho merece um parágrafo próprio — quem me conhece sabe da minha predileção por esta divisão. Vasta, iluminada por luz natural que se derrama generosamente, revestida em mármores que parecem ter sido escolhidos no Olimpo e curada com produtos da Officina Profumo-Farmaceutica di Santa Maria Novella, fundada em 1221. Já visitei palácios e residências principescas, mas esta casa de banho permanecerá para sempre na minha memória como uma das mais impressionantes onde alguma vez me banhei.
À chegada, aguardavam-nos pequenos tesouros: um busto do David de Michelangelo esculpido em chocolate belga, frutas frescas e uma seleção de doces artesanais. Durante toda a estadia, água filtrada, chás raros e café estiveram sempre disponíveis, além de uma seleção devidamente curada de vinhos e destilados — detalhes que, numa casa desta categoria, não são luxos, mas características naturais.
Apenas um pormenor destoou da perfeição absoluta: três fios elétricos irrompiam do centro do teto, uma pequena imperfeição que, em qualquer outro contexto, seria irrelevante, mas que num hotel desta grandeza se torna uma nota dissonante, interrompendo a harmonia visual de um teto alto e desenhado à mão. Um detalhe facilmente disfarçável, mas como em tempos me confessou um italiano, sobre os acabamentos na construção civil: “Nós somos artistas, não técnicos.” Uma verdade que abraço com um sorriso cúmplice e suspeito!

Os Jardins como Galeria Viva
Os Giardini della Gherardesca não são apenas cenário — são também protagonistas da experiência. Criados no século XVI segundo os cânones da geometria renascentista, mantêm a estrutura original: trilhos ladeados por estátuas que parecem conversar entre si, sombras calculadas de árvores centenárias, recantos íntimos onde bancos de pedra aguardam contempladores da história e da vida.
Caminhei por estes jardins numa manhã gelada de janeiro, os dedos mordidos pelo frio toscano, e senti algo que só posso descrever como uma conversa silenciosa com a História. Há uma beleza que não se impõe — simplesmente se revela a quem tem olhos para ver e alma para sentir. Aqui, entre fontes que murmuram segredos de séculos, estátuas modernas e caminhos serpenteantes, compreendi porque é que os grandes mestres do Renascimento encontraram em Florença a inspiração para obras imortais.
Gastronomia: O Diálogo Entre Tradição e Revolução
A oferta gastronómica do Four Seasons Firenze é uma masterclass sobre como honrar o passado enquanto se abraça o futuro. No Onde Firenze, o ambiente é leve e contemporâneo, com linhas modernas, luz filtrada que dança ao ritmo da música, e uma carta de pratos leves e partilháveis que traduz a linguagem criativa do chef Paolo Lavezzini, desta vez voltada ao mar, mas sem jamais trair as raízes toscanas. Um lugar desenhado para uma nova geração de viajantes que procuram autenticidade sem abdicar de sofisticação, enquanto se abre também à população mais cosmopolita da cidade. (ler artigo do João)

Tivemos ainda o privilégio de visitar, acompanhados pelo próprio chef, uma das salas mais extraordinárias do hotel: uma antiga igreja convertida em espaço de eventos. Nunca um local para celebrações me emocionou tanto — ali, a luz ainda parece sagrada, filtrando-se através de frescos que testemunharam séculos de orações e agora acolhem celebrações profanas com a mesma reverência.
No Bar Berni, o primeiro vermute bar da cidade, o espaço evoca os salões aristocráticos florentinos, com os bartenders a compor uma carta repleta de alquimia moderna, combinando técnica irrepreensível, ingredientes locais e uma imaginação que honra tanto a tradição quanto a inovação.

No segundo dia, regressámos ao clássico: o Atrium Bar, a peça central do hotel — e um dos meus bares favoritos no mundo — com a sua monumentalidade discreta, onde um jovem pianista interpretava clássicos à sua maneira, e o mestre Edoardo Sandri nos apresentou, provavelmente, a melhor carta de cocktails de sempre do Atrium.

Um prelúdio perfeito para o jantar no Il Palagio, restaurante com estrela Michelin, também ele assinado por Paolo Lavezzini, onde a cozinha toscana é reinterpretada com sensibilidade e rigor. Sabores puros e sazonais, aliados a uma criteriosa escolha vínica e a um serviço afinado. É particularmente estimulante saber que, a cada visita, a cozinha melhora — os sabores estão mais apurados, e continuamos a ser surpreendidos. Mas sobre isso, como já sabem, deixo-vos nas mãos do João.
O pequeno-almoço, servido igualmente no Il Palagio, oferece um menu à la carte e uma pequena seleção em buffet. Curiosamente, foi o único momento onde o serviço e a apresentação se revelaram aquém do restante padrão: demorado, menos atento. Uma dissonância que não compromete, mas surpreende — num hotel onde o serviço é, regra geral, invisivelmente perfeito.
A Arte Invisível de Bem Receber
O que verdadeiramente distingue o Four Seasons Firenze não são apenas os palácios ou os jardins centenários — é a alma, e a forma como ela se manifesta em cada gesto dos colaboradores. O serviço é de uma subtileza quase telepática: antecipa necessidades, resolve problemas antes que se tornem evidentes e faz-nos sentir como convidados numa casa de família, ainda que essa família conte com séculos de linhagem.
O SPA, instalado numa antiga capela onde monges medievais encontravam o divino através da contemplação, é agora um santuário de bem-estar moderno. Com dez salas de tratamento, jacuzzi, sauna e terapias inspiradas na tradição toscana, usando — também aqui — produtos da lendária Officina Profumo-Farmaceutica di Santa Maria Novella, promete experiências que conjugam espiritualidade ancestral com técnicas contemporâneas.
Outros serviços elevam ainda mais a experiência: a piscina exterior, inserida harmoniosamente nos jardins históricos — terei de voltar durante os meses de verão; o concierge especializado, que organiza desde visitas privadas aos Uffizi até experiências vínicas nas colinas de Chianti; o serviço de mordomo nas suítes mais exclusivas; espaços para eventos e casamentos, com destaque para o magnífico Salone delle Feste; programas infantis que introduzem os mais novos à cultura florentina através de atividades lúdicas e educativas; e, claro, serviço de babysitting.
Algo que captou particularmente a minha atenção foi a curadoria de produtos artesanais locais apresentados com elegância no átrio do hotel — desde sedas de tecelões familiares até trabalhos em couro de artesãos que perpetuam técnicas centenárias. Foi esta descoberta que me levou a atravessar o Arno e a adquirir uma carteira feita à mão por uma família que se dedica a esta arte há gerações — uma pequena herança florentina que carregarei para sempre.
O Futuro que Honra o Passado
A expansão anunciada para o Palazzo Salleac, antigo liceu adjacente, promete integrar novos espaços ao complexo, provavelmente conectados através dos próprios Giardini della Gherardesca. É uma visão de futuro que, tudo indica, saberá respeitar o passado com a mesma reverência que transformou este hotel numa das joias da hospitalidade mundial.
O Coração de um Sonho Realizado
O que torna o Four Seasons Hotel Firenze verdadeiramente único não é apenas a sua arquitetura renascentista, nem os jardins que respiram História, nem sequer o serviço irrepreensível — é a alma do lugar, e a forma como ela nos transforma. Há algo profundamente humano na maneira como nos fazem sentir em casa, mesmo quando os tetos ostentam frescos do século XV e as paredes guardam segredos de príncipes e artistas.
Voltei de Florença com o coração transbordante, porque compreendi que, às vezes, os sonhos não só se realizam — como nos superam. Este foi, sem dúvida, um deles. Um sonho que aguardou pacientemente mais de uma década para se revelar não apenas como uma estadia excecional, mas como uma experiência que redefine o luxo e o que significa ser verdadeiramente acolhido.
Porque, no final, os melhores hotéis não são apenas lugares onde dormimos — são lugares onde acordamos para uma versão mais refinada de nós próprios.
Até breve, Four Seasons Firenze. Guardarei para sempre a memória dos teus jardins sussurrantes e da luz dourada que dança nos frescos antigos. Alguns amores nascem para durar uma eternidade.
MORADA: Borgo Pinti 99 – Hotel Four Seasons – Florença
CONTACTO: +39 055 262 61
PREÇO MÉDIO: Preços a partir de 800€
PATRIMÓNIO: Palazzo della Gherardesca (séc. XV), La Villa — antigo convento (séc. XVI), Palazzo del Nero (renovado 2024), 4,5 hectares de jardins históricos
FACILIDADES: SPA, Eventos, Restaurantes, Piscina, Ginásio, Bares, Lojas, Concierge