ONDE — Quando o mar chega a Florença

Um palácio como palco. O mar como idioma. Florença como pano de fundo.

Há restaurantes que se visitam com curiosidade. E há os outros — os que se atravessam como cidades próprias, como destinos dentro da cidade. O Onde, recém-chegado ao renascentista Four Seasons Firenze, é um destes.  Vive no restaurado Palazzo del Nero e traz-lhe uma alma diferente: mais jovem, mais pulsante, mais solta. Uma osteria moderna com olhos no mar e pés no mármore florentino.

Do outro lado dos amplos vidros, uma das esplanadas mais desarmantes da cidade. Uma vista única para os Giardini della Gherardesca, prometendo que os melhores verões de Florença serão aqui celebrados – al fresco, dirão os românticos italianos. Dentro, uma cozinha aberta, uma estética que bebe tanto de Amalfi como de Milão e um Dj a marcar o compasso da noite. 

O ambiente tem o ritmo de uma noite que não quer acabar – Vestidos Festivos, linho claro, saltos altos e tons de verão em loop.

Paolo entre estrelas e maresia

Sabíamos ao que vínhamos. Conhecíamos a assinatura de Paolo Lavezzini no Il Palagio, irmão estrelado e mais sério desta nova casa. Aqui, um registo diferente — carta mais solta, mas não menos cuidada, cozinha de conforto e estética apurada, servida com a intimidade de quem cozinha para uma casa cheia. Criada sobre uma cozinha onde se vê o fogo, o corte e o gesto –  junto de uma equipa jovem, precisa, e com o tipo de elegância descontraída que só os italianos sabem vestir.

A Carta vive quase toda sobre o mar, com simplicidade aparente e intenções bem claras. Um exercício de contenção e desejo de quem sabe quando parar.

Pão, Focaccia e Espumante
Pão, Focaccia e Espumante

Começámos com pão. Porque assim se deve. A focaccia era boa, o azeite também. O pão? não muda a vida, mas é o primeiro a chegar à conversa.

crudos
Crudos

Depois, uma entrada triunfal: seleção de crudos saída de um manifesto. Lagostins, ostras, vieiras, atum com bottarga, duas gambas, cortes de rascasso e pargo. Sem maquilhagem. Só produto, sal, gotas de azeite e pouco mais, dizendo-nos que isto não é só um restaurante — é a celebração de tudo o que o mar tem de mais fresco e verdadeiro.

Lagostins
Lagostins

Acompanhámos com o espumante Ferrari Perlé 2018 — fresco, fino, com mousse elegante,e um final seco como quem pede mais mar sobre a mesa.

Ostras e gambas
Ostras e gambas
Crudo de Rascasso
Crudo de Rascasso

Entre conforto e profundidade

Seguiu-se o conforto. Tortellinis artesanais, recheados de robalo, mergulhados num caldo de peixe e choco que sabia a domingo de chuva em casa da avó.  Há pratos assim: desconhecidos e familiares ao mesmo tempo. Com a profundidade certa,  o conforto e a segurança de quem sabe o que faz. Texturas, aromas longos, e o sabor de um abraço longo.  

Tortellini de robalo, com choco e caldo de peixe
Tortellini de robalo, com choco e caldo de peixe

Chega então um Trebbiano d’Abruzzo 2022 da Valle Reale, que limpou o caminho de forma precisa com frescura e alguma austeridade. Tudo na medida certa.

Eis então o momento da piéce de resistence, um robalo inteiro, assado sobre as brasas, servido com legumes em papillote e uma maionese de chalotas de grande nível— acompanhamento improvavél, é certo, mas porque não? Chegou como um quadro: pele tostada virada ao céu, espinhado e com o vapor a escapar-lhe pelas asas. A cozedura? Pele efetivamente crocante, Mas confesso, o meu lado basco grita sempre por menos, quero aquela carne ainda húmida, brilhante, a libertar sucos que pedem apenas o casamento com mais um fio de azeite. Pelos vistos não é apenas Portugal que precisa precorrer esse sinuoso trilho do peixe no seu ponto certeiro.

Robalo grelhado na brasa, legumes e maionese de chalotas

No copo, um Vintage da Jermann — que dispensa apresentações e cumpriu o seu papel como se estivesse a acompanhar um clássico, com frescura firme e opolência contida.

Doçura e Memórias

Nas sobremesas, a cozinha brincou. Paolo disse aos seus pasteleiros:  vá divirtam-se! Eles assim fizeram, compondo um falso limão que esconde um tiramisù cítrico — mascarpone cremoso, limão siciliano, equilíbrio raro entre leveza e gula. 

Tiramisù de limão
Tiramisù de limão

Terminámos com um regresso à infância – Banana split reimaginada. Gelado, crumble de cacau, mousse escondida também ela disfarçada numa banana falsa. Devo dizer, houve sorrisos sobre a mesa!

Banana Split
Banana Split

A música ia a bom ritmo e a sala repleta de bom ambiente, sorrisos e elegância quando voltamos a olhar o mar – Não, não comemos nenhuma sobremesa de algas ou bivalves. Foram os petit fours a trazer o mar como pano de fundo. Madalenas-pedras, corais, conchas de avelã e café. Uma verdadeira coleção de artefactos para fechar noite.

petit fours

Serviço com rosto

Em Itália, ou até mais propriamente num Four Seasons, o serviço é parte do espetáculo. Aqui, não falha. Gente jovem, bonita, roupa elegante, sorrisos e a energia certa. Sabem dar espaço e simultaneamente preencher o silêncio. Sabem onde estão, quem servem e o que precisam proporcionar. E fazem-no com aquela graciosidade que é rara, mesmo em espaços históricos.

A Noite terminou no Bar Berni — o novo espaço de Antonello Palermo que conhecíamos do Atrium. O primeiro vermute bar da cidade, de ares costeiros e alma florentina. Ali Bebeu-se por exemplo um Capraia: mezcal Siete Misterios, Cocchi Dopo Teatro, manjericão, fumo. Um copo com sotaque e personalidade bem italiana!

Capraia
Capraia

 

Considerações Finais

O Onde não é um — nem mais um — restaurante de hotel. É um lugar dentro do lugar! Um refúgio aberto à cidade, com pulso próprio e uma voz que se ouve em maré baixa. Respira mar e luz. Serve beleza e sabor com a naturalidade de quem sabe o valor do silêncio.

Paolo Lavezzini orquestra uma cozinha com o ritmo certo — entre o samba e a brisa, entre Ayrton Senna e Roberto Benigni. Há precisão, há leveza, há aquela descontração que só pertence a quem já não precisa de provar nada. Porque a elegância, aqui, está no gesto. Nunca no esforço.

O Four Seasons continua a mostrar que sabe dançar fora da pauta — e lembrar-nos porque permanece entre os grandes hotéis do mundo.

Voltaremos ao Il Palagio, como se volta ao silêncio e à liturgia da perfeição.
Voltaremos ao Onde, como se regressa ao mar — ou a uma cidade secreta que só partilhamos com quem sabe escutar o mesmo que nós.

𝘋𝘳𝘦𝘴𝘴 𝘵𝘰 𝘪𝘮𝘱𝘳𝘦𝘴𝘴. 𝘉𝘦 𝘳𝘦𝘢𝘥𝘺 𝘵𝘰 𝘣𝘦 𝘤𝘢𝘳𝘳𝘪𝘦𝘥 𝘢𝘸𝘢𝘺.

MORADA: Borgo Pinti 99 (entrada pela Via Gino Capponi 46) – Hotel Four Seasons  – Florença
RESERVAS: +39 055 262 6450
ABERTO: Almoço: Domingo – das 12h00 às 15h00
– Jantar: Quinta a Segunda, das 19h00 às 22h00
PREÇO MÉDIO: Preços a partir de 80€ (sem vinhos)
IMPERDÍVEL: Seleção de Crudos, Tortellini, Paccheri com salmonete e gamba vermelha,

Fotos: Flavors & Senses
Textos: João Oliveira
Versão Inglês
No Comments Yet

Leave a Reply

Your email address will not be published.