
No coração de Cascais, longe da azáfama das grandes cidades e onde a calma das ruas contrasta com a efervescência dos pontos mais costeiros da Villa, encontra-se o Kappo, um dos restaurantes mais discretos e promissores dedicados à cozinha japonesa em Portugal.
Desde a sua abertura em 2021 pela mão do chef Tiago Penão, o restaurante tem-se destacado pela sua abordagem minuciosa e focada na tradição nipónica, explorando a técnica, a maturação e a delicadeza dos melhores produtos do mar. Com uma proposta omakase, o Kappo convida os comensais a confiar nas mãos do chef, oferecendo uma experiência intimista que revela a verdadeira essência do sushi edomae e da cozinha japonesa num modelo de fine dining.
Tiago Penão é um nome incontornável quando falamos da cozinha japonesa em Portugal. A sua trajetória inclui uma estrela Michelin conquistada no Midori (ver) ao lado do chef Pedro Almeida, e de uma passagem marcante pelo Praia no Parque, onde dividiu o balcão com Lucas Azevedo. No Kappo, Penão conjuga a precisão artesanal nipónica com a riqueza do produto português, explorando ingredientes como o berbigão ou a sardinha com uma técnica irrepreensível. Esta mesma paixão levou-o a criar mais recentemente o Izakaya, o irmão mais descontraído do Kappo, onde se homenageia a cultura informal das tascas japonesas.
O espaço: minimalismo japonês
Situado numa das zonas mais antigas e nobres de Cascais, entre residências elegantes e paisagens arborizadas, o Kappo apresenta-se como um refúgio minimalista de inspiração japonesa. O destaque vai para o longo balcão de madeira, onde a experiência acontece em tempo real, sob o olhar atento dos clientes, com cada movimento e corte a refletir não só o rigor como também a permitir a partilha de ideias e questões sobre cada técnica ou produto utilizado.
Desde o design minimalista à madeira e as cerâmicas criadas por artesãos portugueses, tudo no Kappo convida à imersão num ritual de sabores e sensações que nos permitem viajar para outras latitudes.

A Experiência
Nesta nossa 1ª visita, optámos pela seleção edomae de nigiri disponível ao almoço, que nos permitiu explorar algumas das criações mais simples (não simplistas, atenção!) de Tiago Penão, e um variado leque de peixes e cortes. – o menu omakase completo estava disponível apenas ao jantar. (Nota: Desde esta visita longínqua, o Kappo alterou os seus horários, passando a trabalhar apenas ao jantar, com excepção do almoço de sábado, sendo aqui servido também o menu omakase.)
A experiência começou com um toque de criatividade e luxo que nos remete obviamente ao universo michelin: nori crocante com toro e caviar, uma combinação que, mesmo familiar, nunca falha em impressionar o palato quando bem executada.

Seguiram-se peças de sashimi onde o corte e o tratamento do peixe brilhou: lula, cavala curada e atum, com cada um a mostrar as suas camadas subtis de sabor e textura, realçados por uma magnífica soja envelhecida oito anos.
O ponto alto do início da refeição, foi,no entanto, o remate final das entradas com um reconfortante e complexo dashi com berbigão, que nos transportou para as bases profundas e aparentemente minimalistas da cozinha japonesa.

Mas foi com a sequência de nigiri que o Kappo demonstrou toda a sua essência: o carapau e a cavala marinada abriram o momento com frescura e intensidade; a dourada maturada por cinco dias e o lírio, maturado por duas semanas, revelaram o trabalho exímio de maturação que tanto potencia o sabor do peixe.


Em crescendo, o akami marinado em zuke trouxe contraste nas texturas do próprio peixe, enquanto a barriga de atum, maturada três semanas, encerrou com a untuosidade perfeita.
Em boa hora, a nossa gula falou mais alto, não resistindo a uns extras, nomeadamente um nigiri de sardinha, o melhor momento do almoço, com uma textura perfeita e aquela untuosidade e sabor peculiar que só um bom peixe azul consegue transmitir.

Seguiu-se um temaki indulgente de atum e caviar e um gunkan de ouriço que foram, sem dúvida, bombas de sabor e prazer.
A fechar, uma refrescante e leve gelatina de citrinos, merengue e mel de soja, seguida por um delicado marshmallow de matcha e mel, que deixou na boca uma doçura subtil e equilibrada. Tudo apresentado com beleza e a delicadeza habitual de um restaurante estrelado.
Serviço e Técnica
O serviço é descontraído e preciso, criando o ambiente ideal para uma refeição centrada no balcão. Com uma longa viagem pela frente colocamos o vinho de lado e optamos pelos cocktails, criados pela Toca da Raposa para o restaurante, servidos em pre-batched que embora bem apresentados, ficaram aquém das expectativas e não acompanharam o nível da proposta gastronómica.

No que toca à técnica, Tiago Penão e a sua equipa mostram um domínio evidente, quer no corte quer na maturação do peixe. O arroz, peça fundamental no sushi, é de qualidade superior e servido a à temperatura correta, mas notamos alguma inconsistência na montagem dos nigiri – com diferenças entre os diferentes elementos da equipa que não escapam aos olhares mais atentos. É um detalhe técnico que, obviamente, fará toda a diferença para elevar ainda mais o nível da experiência, especialmente quando há várias pessoas atrás do balcão e não estamos perante um one man show, como ocorre na maioria dos omakases.

Conclusão
A evolução da cozinha japonesa nos últimos anos em Portugal tem sido notável, passamos de uma vontade e de uma procura incessante por espaços de fusão e confusão para a implementação cada vez maior de restaurantes que procuram a essência e a pureza por trás da conjugação de neta e shari. E aqui é impossível não situar o Kappo no epicentro das grandes propostas de gastronomia japonesa em Portugal.
Este almoço foi sem dúvida um excelente ponto de partida – uma espécie de “teaser” daquilo que promete o menu de omakase. Para ser justo numa avaliação, será na prova do menu que Tiago demonstrará, por completo, a fusão entre a tradição japonesa e a sua visão única. No entanto, mesmo com o menu mais curto, o Kappo vale cada momento pela excelência do peixe, pelo cuidado com os detalhes, mesmo que aqui e ali houvessem pontos a melhorar. Pormenores esses que acredito terem sido já corrigidos com horário atual e concentração da proposta.
Cascais ganhou assim um espaço de excelência, que, considerando a proposta, localização e qualidade dos produtos, é claramente uma experiência marcante para quem valoriza técnica, produto e detalhe!
Até Breve!
Preços a partir de 65€ (sem vinhos)
Av. Emídio Navarro 23 A, 2750-337 Cascais