Midori – A harmonia no choque de culturas

Num dos recantos mais bucólicos do Penha Longa Resort, um pequeno salão guarda segredos de uma fusão inesperada — a herança nipónica reinventada com a alma portuguesa. O Midori apresenta-se como um ponto de convergência, uma ponte entre Portugal e Japão, moldada por mais de 20 anos de dedicação à cozinha do país do sol nascente.

Desde os seus primórdios, o Midori sempre procurou explorar o equilíbrio entre a tradição nipónica e os ingredientes locais, mas foi sob a orientação do chef Pedro Almeida, que fez disso mesmo a sua bandeira. Esta visão do chef  trouxe consistência e profundidade ao conceito do restaurante, culminando com a conquista da almejada estrela michelin. Com a saída de Pedro Almeida (mantêm-se como consultor), o desafio de dar continuidade a este legado recaiu sobre o jovem chef Tiago Santos, que assumiu a cozinha no início de 2023.

Tiago, passou por vários projectos, incluíndo Belcanto e outros projectos do chef José Avillez antes de se juntar ao Penha Longa. A sua abordagem passou por manter o trabalho já realizado e afincar cada vez mais a combinação de culturas e celebrar os ingredientes locais. Para isso, conta no menu com dois menus de degustação, o Kiri de 7 momentos e o Yama, de 9, pelo qual optamos.

Uma sala minimalista

Ao entrar, a sala, iluminada pela luz natural que atravessa as amplas janelas, reflete o equilíbrio entre o moderno e o bucólico. O preto das mesas contrasta com o verde exuberante da paisagem exterior, criando um ambiente que convida à contemplação e ao prazer de uma refeição cuidadosamente coreografada.

 

A sala, com apenas 18 lugares, reforça a ideia de exclusividade. Não há distrações externas — a entrada faz-se por uma porta “secreta” que nos leva a uma sala ampla e calma, marcada pelas mesas negras, o balcão de sushi e um mural que representa a prosposta cultural do restaurante.

A decoração é moderna minimalista, ainda que aos dias de hoje merecesse uma renovação substituindo tons e materias, tornando-a mais ligada à natura e à envolvência que nos entra pelas amplas janelas.

A experiência no Prato

Já à mesa somos rapidamente brindados com um flute de Kompassus Brut Nature Blanc des Noirs, um clássico Bairradino que preparou bem o espaço para o momento de Hassun – os habituais snacks.

Crocante de nori com toro de atum, Tempura de Raia, Tori Kaarage, Tartelete de grão de bico e miso com gamba da costa e sapateira com rábano e molho doce.

Um início em ótima forma, com todos os snacks a desempenhar o seu papel muito bem,  com destaque óbvio para a Sapateira e a sua combinação de sabores e texturas, e o Tori Karaage feito a partir de asas de frango confitadas e posteriormente fritas e servidas com pele de frango crocante e aioli.

Depois de um início de sabores leves e descontraídos, entramos na primeira demonstração de como o Midori une as suas duas identidades culturais – Misoshiro de Cozido à Portuguesa. Algo de profundamente reconfortante na combinação de uma sopa de miso feita a partir do caldo do cozido e uma couve recheada com todos os ingredientes habituais do clássico português, tudo refrescado por um toque herbal do óleo.  Como se o chef nos quisesse sussurrar duas memórias distintas a cada colherada!

Para o copo a escolha da sommelier Eveline Borges recaiu sobre um Horácio Simões Reserva branco 2021, um vinho com grande volume e uma presença de madeira bem vincada que lhe deu suporte para as notas mais ricas do prato.

Sashimi de Hamachi Fumado

Entrando no trabalho mais japonês, rapidamente percebemos que há muito mais do produto e bom corte. Para Primeiro sashimi, foi servido um Hamachi Fumado com pinheiro e finalizado com puré de pastinaca e pinhão, enquanto sobre o gelo seco flutuava  essência de pinheiro. Este último detalhe, embora discreto, fez toda a diferença na experiência sensorial, misturando peixe cru e a serra de Sintra numa improvavél combinação que resulta mais equilibrada do que se esperaria.

Sashimi de Salmonete

Seguiu-se um dos mais nobres peixes da nossa costa com o sashimi de salmonete com salada de ervas e vinagrete de miso com manteiga de miso torrada. Mais uma vez a alta cozinha mais ocidental bem conjugada com a simplicidade e o rigor técnico japonês. Muito bom!

Depois do sashimi avançamos para a Salada de Polvo Japonesa Tako Su. Um prato mais simples que simplista, em que o polvo é acompanhado por diferentes texturas e elementos de pepino, cebolinhas e um puré de batata doce de Aljezur. Nem todos os pratos precisam de impressionar com grandiosidade, e a simplicidade do Tako Su prova que a delicadeza pode, não só, ter o seu espaço, como trazer frescura antes do momento mais intenso que se seguiria.

Bebeu-se ainda um ótimo alvarinho Sou de 2021 produzido numa parceria entre Mira do Ó e Quinta de Santiago.

Com o próximo prato, a narrativa muda de tom, trazendo-nos uma explosão de contrastes que desafia o paladar – Kabayaki de enguia com cabeça de xara. Porventura o melhor exemplar deste casamento perfeito de culturas, se por um lado temos a valorização japonesa da enguia, pelo outro temos o aproveitamento e a importância do porco para o povo português. É neste momento que percebemos a habilidade do chef em equilibrar tradição e inovação, um fantástico Terra mar que não me cansaria de repetir várias vezes ao longo do ano (De preferência com pão que sou um homem de sustento).

Boa esteve também a harmonização com um Madeira Cossart Gordon Verdelho de 5 anos, cuja acidez e a doçura mais contida equilibraram toda a gordura do prato.

O primeiro trio de nigiris

Os nigiris são apresentados em duas etapas, com cortes que mostram domínio técnico e toppings que surpreendem pela harmonia de sabores, na impossibilidade de servirem os nigiri um a um pela mão do mestre shokunin, a opção recaíu por dois serviços de três peças, em que além do bom arroz trabalhado com vinagre envelhecido, cada peixe ganha um topping com o intuido de casar ou potenciar sabor, muito mais do que o mero apuro estético. Primeiro Tomate assado com azeite e wasabi fresco, seguido de peixe galo com gel de sunomono, zeste de limão e mirin e por fim o audacioso nigiri de lula com uma gelatina de dashi e vinho do Porto, finalizado com lula desidratada. É bom ver fusão sem confusão, em que os toppings são muito mais do que meros apetrechos estéticos, mas sim algo que acrescenta valor à prova.

Trilogia de atum

Obviamente não poderia faltar o atum, que aqui surge através de 3 peças de 3 cortes diferentes e preparados de forma distinta. Primeiro o Akami fumado com louro e finalizado com muxama, ao qual se seguiu o chutoro marinado e finalizado com alecrim, e por fim o Otoro braseado no bichotan com flor de sal. Estivessemos nós sentados ao balcão e o nível seria ainda mais especial com a temperatura do arroz no seu ponto ideal.

Nesta etapa, a harmonização foi feita com Sake – Chiyokotobuki Toraya , um bom sake de entrada no universo junmai que complementou bem as peças servidas.

Com o apetite já bem desperto, avançamos para os pratos principais com Atum com diferentes texturas de batata, caviar e jus de atum. Um molho rico de sabor intenso a atum que liga em harmonia um conjunto que nos remete à cozinha de conforto elevada pela salinidade do caviar.

A experiência constrói-se de forma impecável finalizando com uma arriscada Língua de vaca com puré de beringela fumada e puré de cenoura, dois tipos de tomate e molho kakuni com jus de vaca. Kakuni é um prato habitualmente feito com Barriga de Porco que aqui foi substituída por uma deliciosa Língua de vaca (como seria bom ver mais restaurantes estrelados a arriscar nos cortes de carne servidos) cozinhada lentamente até quase se desfazer. A conjugação de ingredientes trouxe ainda boas notas de doçura e fumo equilibradas pela acidez do pickle de tomate.

Um belo final, no qual se bebeu ainda um clássico Quinta dos Carvalhais Touriga-Nacional 2018, um vinho equilibrado que reflete bem a casta que lhe dá origem.

As sobremesas chegam como uma despedida cuidadosamente ensaiada, deixando no ar uma nota de equilíbrio e ousadia que é difícil de ignorar. Um encerramento pela mão de Lara Figueiredo a chef de Pastelari, que continua a refeição com elevadas notas de risco, pondo as frutas ou o chocolate de lado e começando por uma sobremesa de Batata e miso. Batata de diferentes tipos e em diferentes texturas, caramelo de miso e um gelado de nata arredondado também ele com miso. Inesperado e a bom nível!

Numa espécie de prelúdio de Outono finalizamos com Hachi, aveia e mel – várias texturas de aveia, crocante de polén e mel de eucalipto, num conjuto bem sinfónico e equilibrado na doçura. Ótima forma de terminar!

Com as sobremesas não poderia faltar um vinho doce, bebemos um Moscatel Roxo Excellent de Horácio Simões. Um dos melhores representantes da casta, com aromas florais e notas de especiarias com um final longo e delicado.

Petit fours

A refeição termina então como começou, mas agora com espaço para pequenos mimos doces com creme de matcha, mochi de gengibre e coco, esfera de yuzu e framboesa e goma de azeite transmontano.

É impossível terminar a experiência sem mencionar o cuidado colocado no serviço, com o menu servido a bom ritmo, boas explicações e rigor técnico sem excessos ou parcimónia. As escolhas vínicas, ainda que bem executadas, refletem uma abordagem mais conservadora, infelizmente à semalhança de quase todo o fine dining em Portugal. Este é um campo onde o Midori pode explorar mais ousadia, talvez incluindo sakes envelhecidos, vinhos de outras latitudes ou propostas naturais que dialoguem melhor com a complexidade do menu.

Conclusão

O Midori, sob o olhar atento do chef Tiago Santos, carrega consigo o peso de um legado recente, mas também a oportunidade de se reinventar. Nesta jornada, o restaurante continua a trilhar o equilíbrio entre a herança japonesa e os ingredientes portugueses, um desafio que não está apenas no storytelling, mas sim refletido em cada prato, seja pela técnica irrepreensível, seja pela ousadia das combinações.

Entre momentos brilhantes — como o kabayaki de enguia e o surpreendente trabalho de conjugação de elementos técnicos nos nigiris — e outros mais simpes e discretos, a experiência no Midori é, acima de tudo, uma celebração segura daquilo que deve ser a fusão entre dois mundos gastronómicos. No entanto, a sala, ainda marcada por um design mais frio, pede um toque mais natural que reflita a energia criativa da cozinha e a natureza envolvente que em tantos momentos passa também para os pratos.

Se há algo que o Midori demonstra é a força da simplicidade bem trabalhada, mas também o potencial inexplorado de levar essa harmonia a um nível mais elevado.

No panorama do fine dining português, onde os riscos às vezes são diluídos pelo conservadorismo quer na confeçção quer na escolha de ingredientes, o restaurante tem espaço para ampliar a sua ousadia, especialmente na escolha de harmonizações vínicas — um terreno ainda por desbravar.

Assim, o Midori mantém-se como um dos bastiões do luxo contido e da técnica irrepreensível, mas é na próxima curva, com Tiago Santos a consolidar a sua assinatura, que saberemos até onde esta ponte entre Japão e Portugal nos poderá levar.

A revisitar!

Preços a partir de 129€ (sem vinhos)
Ritz Carlton Penha Longa – Estrada da Lagoa Azul, Linho, Quinta da Penha Longa – Sintra, Portugal

Fotos: Flavors & Senses
Textos: João Oliveira
Versão Inglês
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