A gastronomia ganha cada vez mais adeptos, das donas de casa que tentam aprimorar e variar as suas receitas de sempre, aos foodies e consequentemente aos jovens que tentam ser iguais aos chefes mais célebres. Um desses chefs é certamente o Rui Paula, uma figura carismática que conquistou os portugueses enquanto jurado do sucesso de Televisão Masterchef. Vencedor em 2014 do título de Chef do Ano nos prémios “Flavors & Senses – Os melhores para 2014”, trata-se de um cozinheiro influenciado pelas suas raízes e memórias do sabor tradicional, que hoje tenta recriar com outras roupagens e técnicas.
Fomos conhecê-lo um pouco melhor no seu último restaurante, a Casa de Chá da Boa Nova e falar um pouco sobre tradição, cozinha e futuro.
Tendo origens Durienses e Transmontanas, a cozinha sempre fez parte da sua vida?
Nasci no Porto, mas de facto toda a minha família vem do Douro, foi lá que tive o meu primeiro restaurante, é de lá que vêm todas as minhas raízes. Cresci a ver a minha avó cozinhar e de lá trago as maiores memórias do sabor. Por isso sim, sempre fez parte da minha vida claro, e fará parte para sempre.
Qual o ponto de viragem para decidir tornar-se chef de cozinha? Como é que isso aconteceu?
Eu abri o meu 1º restaurante o Cêpa Torta, em Alijó, sendo um pouco de tudo, na cozinha tinha uma funcionária da minha avó e eu com os meus parcos conhecimentos sobre o que era um restaurante e a sua gestão. Fazíamos cozinha tradicional que era o que conhecíamos, mas boa, acima de tudo. Passados 3 anos o restaurante começou, de facto, a ter muita procura e foi aí, ao ver a satisfação dos clientes, que decidi que tinha mesmo de abraçar aquela profissão porque de facto a cozinha e a restauração têm mais ciência do que o que parece. Foi aí que pensei que se queria evoluir tinha de começar a ver outras coisas, tinha de conhecer e saber as técnicas, pelo que disse para mim mesmo que só haveria uma solução, ir para cozinhas onde as pessoas estavam mais adiantadas do que eu, e assim comecei a fazer alguns estágios, tanto em Portugal como fora do País.
De facto a sua carreira é um pouco atípica, são raros os chefes que começam numa cozinha tradicional e depois a fazem evoluir até uma cozinha mais contemporânea e até vanguardista. O que é que o fez ter essa mudança?
Foi sempre o querer saber mais, e também os diferentes conceitos com que estamos a trabalhar nos nossos restaurantes. Quando abri o DOC quis dar uma roupagem e uma apresentação diferente e mais cuidada a pratos, ainda assim típicos da região, como a chamuça de alheira. Quando quis abrir um restaurante no Porto já tinha de ser diferente! Hoje temos 3 restaurantes, e dentro do conceito com que trabalho também não posso ter 3 restaurantes iguais, e como não quero entrar pela linha dos restaurantes de sanduíches, hamburgers e petiscos, que hoje estão muito na moda, decidi centrar-me no que sabia fazer e ir evoluindo cada vez mais técnica e visualmente para que de facto as pessoas sintam uma evolução quando olham para os pratos, mas sem nunca perder o cariz de sabor, que é marca da minha cozinha.
E como funciona o seu processo criativo?
Hoje o processo criativo passa por várias fases, desde a falta de inspiração (risos) até a uma procura exaustiva, muita investigação, algumas dores de cabeça e também algumas noites sem dormir. Por exemplo, a Lula dos Açores (prato da carta da Boa Nova), demorou 2 meses e meio a criar, isto porque nos meus pratos gosto que haja essa marca técnica diferente, mas que as pessoas quando provam sintam algo que as encante – e isso é que é o difícil! Resumidamente, o mais importante é o sabor, visualmente tem de ser muito apelativo e a técnica também tem de estar toda lá.
Felizmente, hoje para criarmos os pratos já não sou só eu, já temos mais algumas pessoas a pensar e a criar, que além do trabalho árduo do dia a dia da cozinha ainda vão para casa investigar, estudar e até sonhar com coisas novas.
Também é uma forma de estimular a equipa!
Sim, é um estímulo para eles, e é algo que faz parte do processo da sua própria formação e evolução enquanto profissionais. Também já não sou só eu a sair, visitamos muitos restaurantes por esse mundo fora e alguns saem para fazer estágios. No final tudo isso se junta para o processo criativo.
E as suas inspirações?
A minha inspiração é a cozinha portuguesa, e essencialmente o seu sabor! Depois na técnica a cozinha francesa e a vanguarda espanhola. Procuro essencialmente recriar sabores portugueses com técnicas diferentes.
Qual o prato que lhe deu mais gozo criar?
Até hoje foi exatamente este que falamos, a Lula dos Açores, principalmente porque centra tudo no prato, a beleza e o sabor de uma forma particular.
E o seu prato preferido?
Gosto mesmo muito de Filetes de Polvo com Arroz de Polvo acompanhado com uma couve guisada.
A sua carreira tem sido marcada por uma presença quase constante na Televisão, que importância é que lhe atribuí?
Isso não é totalmente verdade! Tenho cerca de 20 anos de carreira e a televisão surgiu através da Praça da Alegria, com uma presença semanal há cerca de 7 anos atrás, pouco tempo depois de ter aberto o DOC. Agora claro que lhe atribuo muita importância, especialmente quando fazemos coisas boas como o Masterchef, que é o ponto alto da minha presença televisiva e que é de facto um bom programa, com uma produção enorme de cerca de 100 pessoas a trabalhar diariamente.
E claro, a televisão ajudou a tornar-me conhecido, nem tanto para as pessoas virem aos meus restaurantes, mas mais pelo reconhecimento de saberem que sou um chef com uma carreira sólida, de falarem de mim e até para a consolidação do nome Rui Paula.
DOC, DOP, Brasil, Vidago Palace e agora a Casa de Chá da Boa Nova, como é gerir estas cozinhas todas?
Essa é que é a pior parte! Ora bem, no DOC, DOP e Casa de chá, tenho a minha mulher num, o meu irmão noutro, eu estou mais neste, apesar de obviamente eu circular pelas cozinhas todas. Neste momento somos cerca de 60 pessoas na empresa, algumas pessoas estão comigo há 8/9 anos quer na cozinha, quer na sala e só com muita confiança nessas pessoas é que é possível gerir e controlar todos os nossos restaurantes com um balanço muito positivo. No Brasil, os chefs que estão lá também já trabalham comigo há muitos anos e só dessa forma é que possível eu estar associado a um restaurante fora do nosso País. No Vidago funciona um pouco da mesma maneira com alguma rotação da equipa, por ser um Hotel.
Nem tudo é maravilhoso, e tudo isto só é possível quando há uma entrega total ao objectivo, em detrimento muitas vezes da família e dos amigos. É preciso de facto haver, acima de tudo, muito amor pelo que se está a fazer.
Falando sobre este último espaço, a Casa de Chá da Boa Nova, a estrela Michelin é o grande objetivo?
Eu sinceramente gostaria muito de a ter. 1º porque acho que estamos a fazer um bom trabalho, não sinto que haja grandes falhas, muito pelo contrário, temos tudo bem organizado, um serviço sem barulho, sem stress, uma paisagem magnífica e na cozinha trabalhamos com os melhores ingredientes e produtos sempre frescos. Em 2º porque a Casa de Chá está longe, não está no centro do Porto e acho que isso nos iria ajudar a atingir mais alguns objetivos. Mas como é óbvio eu não posso estar a trabalhar e a pensar nisso, vou continuar a fazer o que sei fazer, sem falhar, até porque os nossos preços já são de estrela e os nossos clientes não nos permitem erros. Agora não posso dar uma estrela a mim mesmo, vamos aguardar e ver o que futuro trará. Entretanto continuo a trabalhar para os meus clientes, porque são eles o mais importante, dando-lhes o máximo na comida e o máximo no serviço.
Como é que que se vê daqui a 10 anos?
Vejo-me a trabalhar! Não me consigo ver de outra forma. Já tirei o pé do acelerador em muita coisa e certamente não vou abrir mais nenhum restaurante meu e isso já quer dizer muito. Parcerias e consultorias como o Vidago ou o Brasil, poderão não estar de fora mas o importante é centrar-me ao máximo neste projeto que é a Casa de Chá.
E um conselho para os jovens que hoje sonham ser chefs de cozinha?
Que não queiram ser Adrià, nem Avillez, nem Rui Paula, o melhor é mesmo não pensarem assim. Primeiro têm de saber fazer um bom arroz de tomate e depois têm de saber o que é liderar uma equipa, saber o que é lidar com pessoas, saber comprar produtos, e ganharem uma profunda memória de sabores. Por isso o melhor conselho que posso dar é focarem-se, fazerem esse trabalho todo, provarem bem a comida e depois de saberem isso, muito espírito de sacrifício, e depois partirem para um bom restaurante, e aprenderem tudo, desde as compras, aos produtos que se utilizam, os conceitos e a própria forma de trabalhar do restaurante – e isto demora! Têm de ser cozinheiros antes de serem chefs e só depois criarem a sua própria identidade.
Fotos: Flavors & Senses