Monumental Dinner no Le Monument

Há algo de nostálgico ao cruzar as portas do Maison Albar – Le Monumental Palace. Talvez seja apenas a minha tendência para romantizar edifícios históricos com traços art déco, ou talvez seja a esperança de que, por trás destas portas, se esconda um pedaço de um Porto que já não existe. Um Porto que ainda sabia abrandar e valorizar o detalhe.

Uma essência que o estúdio portuense Ointoemponto soube capturar com um olhar singular. Desta vez, porém, não éramos meros espectadores desse palco histórico, mas participantes de uma celebração: o jantar ‘Monumental’, criado a quatro mãos pelos chefs Julien Montbabut e Louise Bourrat, para celebrar o 6º aniversário do hotel. Técnica e sotaque francês, ingredientes portugueses e emoção na medida certa eram as promessas da noite.

Para nós, que já conhecemos bem a cozinha de Julien — escreveremos em breve sobre a nossa última visita ao Le Monument—, este jantar representava também uma oportunidade há muito ansiada de conhecer o trabalho de Louise Bourrat, cujo percurso temos vindo a acompanhar, não apenas pelo que tem desenvolvido em Lisboa, no seu Boubou’s, mas também pelo feito heróico de vencer o Top Chef francês.

O Início: Champagne e Expectativa

A noite começou na biblioteca do hotel, com a elegância intemporal do espaço a servir de pano de fundo para um momento descontraído de apresentações e conversa entre convivas. Os habituais snacks, servidos com champagne Cattier, despertaram o apetite de forma subtil, com precisão técnica e cuidado estético apurado, já deixando antever o rigor e a criatividade que marcariam o jantar.

Com o champagne a abrir caminho para uma noite especial, descemos ao restaurante. Ver a sala cheia foi, honestamente, um alívio. O Porto é uma cidade que cresce a olhos vistos, mas quando falamos de alta gastronomia, o público geral ainda olha com desconfiança. Não é que as pessoas não gostem de comer bem — todos sabemos que a francesinha ou as tripas são uma instituição —, mas a ideia de pratos pequenos, caros e nomes complicados ainda provoca reações defensivas. Felizmente, esta noite mostrou o contrário: um grupo de pessoas que aceitou experimentar, conversar, rir e, acima de tudo, prestar atenção ao sabor e cunho de cada chef.

O Menu: Uma Viagem entre Ideias e Sabores

Já à mesa, começamos com o Gouveio by Joaninha 2023 Maçanita, um vinho que expressa bem a casta duriense e desperta o palato com mineralidade para os pratos que se seguiriam.

Sapateira, ruibarbo, geranium

Começamos com um “folar”, em jeito de homenagem de Julien a Trás-os-Montes – bom na textura e viciante ao provar. O primeiro prato,  Sapateira, ruibarbo, geranium (Louise Bourrat) parecia uma brincadeira: simples no olhar mas explosivo ao paladar. Uma entrada de comer à mão que brincou com contrastes de texturas e elementos. A suavidade da sapateira encontrou um parceiro vibrante no ruibarbo fermentado, enquanto o geranium trouxe um toque floral e cítrico subtil. Um início fresco e surpreendente, em que era impossível não pensar em repetir, mesmo sabendo que o jantar estava só a começar.

Lagostim, maracujá, cidreira

Passando à autoria de Julien Montbabut, continuamos nos frios e nos mariscos com Lagostim, maracujá, cidreira. Um prato que equilibrou doçura e acidez de forma exemplar. O lagostim, suculento, a demonstrar a sua doçura muito própria, foi conjugado pela acidez e doçura frutada do maracujá e pela frescura aromática da cidreira. Um Belíssimo prato!

Depois de dois pratos tão meticulosamente apresentados, eis que chega o pão, que agora teima em ter um lugar a meio do menu. Sejamos honestos: sou aquele tipo de pessoa que perde toda a compostura quando vê um bom pão de fermentação lenta e uma manteiga artesanal, no caso de algas, do produtor francês Beillevaire. Neste momento, já estava a ponderar seriamente se deveria fazer um discurso de agradecimento ao chef por não ser daqueles que aos poucos vão retirando o pão da mesa.

Pargo, alho francês, Champagne
Pargo, alho francês, Champagne

Entramos nos pratos quentes com um elaborado prato de Pargo, alho francês, Champagne (Julien Montbabut). Delicado, mas com profundidade como é apanágio da cozinha de Julien.

O pargo chegou à mesa com uma textura impecável, quase a desfazer-se ao toque, enquanto o velouté de Champagne e alho francês envolvia o prato numa suavidade luxuosa, pontuada pela maresia do caviar, que encontrou no Terrantez do Pico de 2023 o par perfeito para a dança de abertura.

Cantarelos, nata fumada, fermento fresco, consommé
Cantarelos, nata fumada, fermento fresco, consommé

O momento mais sazonal e vegetariano da refeição chegou à mesa pela mão de Louise Bourrat, com Cantarelos, nata fumada, fermento fresco, consommé. Aqui, Louise  fez chegar à mesa os cantarelos numa espécie de serenata outonal, acompanhados por um consommé reconfortante servido como café. Foi um prato quase meditativo, mas talvez meditativo demais. Sentimos falta de algum elemento mais, algo que nos acordasse da calma profunda — ou será que Louise estava mesmo a pedir silêncio absoluto neste momento?

A dividir o palco principal com o vinho anterior, coube ao Crosta Calcária do Profetas, um vinho da Ilha de Porto Santo cujas notas iodadas e alguma pólvora nos remete para os melhores brancos das ilhas Canárias.

Pombo, folha de sakura, beterraba, aipo
Pombo, folha de sakura, beterraba, aipo

A alta gastronomia tem a sua dose de modas, e a carne de vaca, outrora rainha dos menus de degustação, foi relegada ao estatuto de prima enfadonha, principalmente em menus  com lombo ou entrecôte de wagyu. O pombo é a nova estrela, e Louise Bourrat soube dar-lhe um palco digno. Vejo por vezes muito ceticismo em volta desta ave – mas confesso que não vejo grande mal em comer um animal que talvez tenha passado o verão na minha varanda (com a devida ironia)!

Assim, Louise convenceu os cépticos com o Pombo, folha de sakura, beterraba, aipo. Um prato com audácia e precisão. O pombo, cozinhado na perfeição a baixa temperatura, foi equilibrado pela leveza aromática da folha de sakura que o envolvia e pela doçura da beterraba. O aipo trouxe frescura e um toque vegetal que completou a composição. Tudo culminava no molho, um elo essencial que conectava os elementos com precisão. Muito bom!

Porco Bísaro, couve, castanhas

O final dos pratos salgados ficou nas mãos de Julien que nos trouxe o Porco Bísaro, couve e castanhas para o remate final com um molho surpreendente. O porco com uma cocção perfeita, onde até a minha mal amada couve de bruxelas teve o seu espaço. Foi um exemplo do compromisso do chef em conhecer e valorizar os produtos e tradições locais, algo que tem marcado o seu percurso desde que chegou a Portugal, em 2018.

Os vinhos fecharam aqui com um outro lado do Alentejo, um 100% Tinta Carvalha, aberto, com boa acidez, elegante e sem os excessos típicos da região.

Grand Dessert da Joana
Grand Dessert da Joana

A mão final não foi nenhuma das anteriores, coube a Joana Thöny Montbabut, chef pasteleira de todo o Hotel e esposa de Julien, fechar com chave de ouro um ótimo jantar com a sua Grand Dessert. A sobremesa, ou melhor as sobremesas,  exploraram texturas contrastantes, com um equilíbrio notável entre a doçura e a frescura. Uma prova do rigor técnico e da sensibilidade estética da chef pasteleira, quer no trabalho em torno do marmelo e da pera, ou da frescura do limão com cardomo, ou no inevitável chocolate. O nome acenta verdadeiramente bem à sobremesa!

Os vinhos Maçanita que acompanharam o jantar
Os vinhos Maçanita que acompanharam o jantar

Foi evidente o entrosamento entre Julien e Louise, que já haviam colaborado recentemente no Boubou’s. Entre vindas apressadas à sala, sorrisos cúmplices e algumas piadas trocadas, quebraram a seriedade de uma sala normalmente mais formal, trazendo leveza a um tipo de experiência que muitas vezes se pode tornar aborrecida. Foi um lembrete de que, mesmo num espaço estrelado, a comida deve aproximar e não intimidar.

Chá e Petit fours

Conclusão: Um Jantar para recordar

Este jantar não foi apenas uma celebração do 6º aniversário do Le Monumental Palace. Foi um lembrete do que faz a alta gastronomia ser especial: a coragem de explorar, a vontade de sair da zona de conforto e a conexão entre pessoas que, mesmo com abordagens distintas, encontraram um ponto comum no respeito pela essência dos ingredientes e um fio condutor na organização do menu.

A Alta gastronomia não é para todos — não porque o público não a entenda, ou não queira entender, mas porque muitas vezes ela própria se esquece de quem está do outro lado da mesa. Esta noite foi diferente: Julien e Louise conseguiram criar algo que era ao mesmo tempo técnico e descontraído, acessível e sofisticado. Talvez seja isso que a alta gastronomia portuguesa precisa: menos pedestal, mais curiosidade e, acima de tudo, mais momentos como este.

Julien Montbabut reafirmou não só a maturidade da sua cozinha, mais uma vez mostrando a delicadeza e o equilíbrio das suas conjugações, como também o seu compromisso em conhecer Portugal, os seus produtos e produtores, algo que, desde o início, poderia ter sido evitado em favor de uma cozinha puramente francesa. Esse respeito pelo país que o acolheu é visível em cada prato que serve.

Louise Bourrat, por sua vez, confirmou o seu talento, e mostrou-nos porque é uma das figuras mais interessantes da sua geração em Portugal. O seu humor, a sua ousadia e a sua capacidade de transformar simplicidade em alta cozinha deixaram-nos com uma vontade ainda maior de visitar o Boubou’s e explorar o seu universo criativo em Lisboa.

Foi inspirador ver uma casa cheia, algo que prova que, com eventos bem organizados e menus instigantes, a alta gastronomia pode encontrar o seu lugar num Porto que, cada vez mais, descobre e valoriza experiências que nos desafiem, inspirem e criem memórias.

Talvez até o Porto, com a sua alma prática e desconfiada, possa aprender a aceitar (e a adorar) a beleza de um jantar monumental como este.

Preços a partir de 180€ (sem vinhos)
Maison Albar – Le Monumental Palace
Avenida dos Aliados 151, 4000-067 Porto – Portugal

Fotos: Flavors & Senses
Textos: João Oliveira
Versão Inglês
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