José Avillez

Existem pessoas que sonham, pessoas que criam e pessoas que executam, depois existem pessoas geniais que reúnem todas  essas características. José Avillez é uma dessas figuras geniais que brotam todas as características necessárias ao sucesso É um trabalhador incansável, um comunicador, humilde, e acima de tudo gosta de viver a vida com uma grande intensidade e paixão, porque contrariando um pouco Fernando Pessoa, não basta o homem sonhar para que a obra nasça.

Fomos conhecê-lo no seu novo restaurante, o Cantinho do Avillez, no Porto, o primeiro fora do seu “Reino” do Chiado e o 6º em apenas 3 anos.

De um estágio na Fortaleza do Guincho até à primeira estrela Michelin aos 29 anos, passaram pouco mais de 13 anos, como olha para esse passado?
Olho para o passado pensando que de facto foi tudo rápido e intenso. Há anos que praticamente me esqueci que passaram, com um turbilhão de coisas a acontecerem ao mesmo tempo. Há mesmo pessoas que conheci na altura e que hoje não me lembro se conheço ou não conheço. Mas olho com alegria, com um sentimento de que valeu tudo a pena, até porque, às vezes entre o ser bem sucedido e o mal sucedido, o trabalho não difere muito e muitas das vezes as pessoas trabalham o mesmo e são mal sucedidas. Por isso, agradeço a quem tenho de agradecer, à sorte e a outros fatores pelo facto de estarmos a ser bem sucedidos.

Passaram 3 anos desde a abertura do 1º Cantinho do Avillez ao qual se seguiram outros 5 restaurantes e uma estrela Michelin. Não foi tudo muito rápido?
Foi. Se há 3 anos um profeta me comunicasse que eu iria abrir 6 restaurantes em 3 anos eu diria que era um mau profeta, porque não estava a adivinhar nada do que iria acontecer. De facto não achava sequer possível, porque sei o trabalho que tudo envolve. Mas aconteceu… felizmente as coisas correm bem, há 3 anos éramos 17 pessoas a trabalhar na empresa hoje somos 138, e as coisas funcionam, com, por exemplo, o Cantinho a ser um sucesso desde o 1º dia, e o Belcanto, em que é preciso bastante antecedência para fazer uma reserva.

Com todo o trabalho, toda a dedicação, com a família a ser deixada um pouco para 2º plano e os amigos a quase deixarem de marcar presença, a cozinha tem de ser mesmo uma grande Paixão…
É uma grande Paixão, Sim, que nasce do meu prazer em comer. É uma exigência comigo próprio de querer fazer bem e de querer fazer melhor, é uma grande responsabilidade e acima de tudo um compromisso que vivo com grande Paixão.

Isso acaba por ser uma forma de motivar a equipa…
Sim mas de uma forma natural. A equipa é o mais importante no meio disto tudo, a propósito, eu costumo dizer que sou a locomotiva de uma série de carruagens que me seguem e muitas vezes a locomotiva desliga, porque simplesmente não aguento mais, até em termos de cansaço e tenho estas carruagens que pela força que têm me vão deslocando também. Com isso sei que fiz crescer muita gente que está comigo. O facto de não estar sempre ali de Babysitter faz com que as pessoas ou cresçam ou vão embora. E se muitos ficaram pelo caminho, muitos cresceram imenso com o nível de exigência e com a intensidade com que tudo acontece.

Falemos então das suas inspirações e influências…
Eu acho que isto se cruza sempre com um percurso pessoal, o que eu comi desde que nasci até hoje, o que comi em casa da minha avó, em casa dos meus pais, as viagens que fiz, entre outras coisas. Tudo o que se faz hoje em dia é fruto do que está para trás, daí a influência de Maria de Lurdes Modesto ou José Bento dos Santos, pessoas que além de ainda hoje serem meus professores são meus grandes amigos. Ferran Adrià se calhar mais do que todos, por me ter aberto os horizontes, pelo facto de ter convivido com ele, termos estado lado a lado, de termos trocado ideias. Mas também pessoas com quem não trabalhei, o Andoni (Andoni Aduriz – Mugaritz) , o Quique Dacosta ou o Joan Roca, pessoas que curiosamente, numa altura em que se calhar eu mais precisava me apoiaram muito mais até que outros cozinheiros Portugueses. Também referências Nacionais como Vítor Sobral, Miguel Castro e Silva ou Joaquim Figueiredo, pessoas que quando eu comecei marcavam a diferença na nossa restauração. O Ducasse também, pela perfeição e pelo seu lado empreendedor. O ler, sou muito influenciado por aquilo que leio, lembro-me de ter lido, por exemplo, o “Soul of a Chef” e o “ Making of a Chef “ do Michael Ruhlman, e lembro-me que aqueles livros mudaram radicalmente a minha forma de ver.

Todos os seus restaurantes têm conceitos diferentes. Como é que funciona um processo de criação tão abrangente?
O Belcanto é um bocadinho o seguimento do meu trabalho enquanto cozinheiro/Autor do Tavares. Os outros são muito à imagem do que me apetece encontrar noutros restaurantes que não seriam os meus, o que na realidade eu gostaria de comer quando saio. Todos os pratos são criados um pouco com base naquilo que me apeteceria comer, daí não ter em nenhuma carta, nenhum prato que eu não goste ou que eu não goste muito. Estou longe de ter as fórmulas de sucesso garantidas, é muito trabalho, é olhar muito para o mercado e ver o que as pessoas procuram.

Como surge a viagem do Chiado para o Porto?
O Cantinho do Porto surgiu muito a pedido de clientes que nos visitavam e me perguntavam, “então quando vai para o Porto?”, pessoas de cidades aqui à volta como Aveiro ou Guimarães mas que frequentam o Porto para comer, que constantemente nos deixavam mensagens no Facebook, e porque acreditamos que a cidade está na fase certa.

Também acha que o Porto está na moda?
Muita gente diz que está na Moda, eu não acho que seja estar na moda, as pessoas estão a começar a conhecer o Porto, a cidade está a ser arranjada mas mantêm uma tipicidade diferente que Lisboa não tem, provavelmente por ser maior. Há cada vez mais turistas e eu percebo, as pessoas são muito simpáticas, come-se bem e isto (Porto) é mesmo muito bonito. As Modas para mim são só ou para a moda, ou para coisas que não têm qualidade, porque quando têm as coisas perduram.

E este Cantinho do Porto?
As condições de trabalho deste Cantinho são muito melhores que em Lisboa. Temos uma equipa que trabalha comigo, em alguns casos, há muitos anos. Estamos numa rua que começa agora a desenvolver-se, aliás, não tenho nenhum restaurante que tenha tantos passantes como este, de todo, por isso acho que tem tudo para funcionar, mantendo a humildade e acima de tudo ouvindo as pessoas. Felizmente temos trabalhado muito bem, fomos muito bem recebidos pelas pessoas, desde os clientes aos nossos colegas.

O Porto é uma cidade diferente de Lisboa, será que a cidade também vai influenciar a carta? Como Lisboa tem feito com os outros restaurantes?
Nós entramos com uma oferta que não é muito diferente da de Lisboa, porque quero manter aqui um posicionamento, mas aos poucos, e porque está implícito na ideia do Cantinho, o objectivo é adaptarmo-nos um bocadinho à região. Eu não quero vir para aqui fazer as tradicionais Tripas à moda do Porto, mas é possível que eu faça um take das Tripas, ou da Francesinha ou dos Filetes de Polvo. Influenciado pela cidade mas sempre com o meu toque, o meu twist.

Se pudesse escolher apenas um prato que representasse este cantinho?
É muito difícil, e vou-lhe dizer porquê. Em Lisboa o Bacalhau com migas soltas é um dos pratos mais emblemáticos, aqui é um prato que divide as pessoas. Pelas suas vivências e expectativas, as pessoas esperam um prato mais intenso que é o que a ideia do Bacalhau lhes transmite.
Mas por exemplo, posso escolher os fígados de aves com compota de vinho do Porto, os Peixinhos da Horta, e o Hamburger. Aqui no Porto as vieiras ou a Vitela de comer à colher têm tido muita saída.

E no Futuro poderemos ver outros restaurantes do José Avillez pela cidade?
(Risos) Não está previsto, mas não digo que não, não sei… Mas há muita gente que diz “adoro o Cantinho, mas também devia trazer o Mini Bar para cá”, obviamente que nunca farei nada apenas nesse sentido, até porque há contas a pagar. Acima de tudo, agora estamos muito focados no Cantinho.

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