Brilhante: A Lisboa boémia de Luís Gaspar

Lisboa é cada vez mais uma cidade de contrastes, onde a tradição e a modernidade se cruzam ao ritmo de uma multiculturalidade vibrante. No coração do Cais do Sodré, bairro cheio de história, associado nos últimos anos à vida noturna dos mais jovens, mas agora palco de uma renovação crescente, surge o Brilhante, um restaurante que presta tributo à Lisboa dos anos 70. Ainda assim, basta um olhar atento para perceber que o espírito de Paris paira em cada detalhe do espaço, desde o design ao conceito.

Criado pelo Grupo Plateform, com a assinatura certeira de Luís Gaspar, o Brilhante é muito mais do que um espaço para comer: é uma ode à nostalgia boémia da cidade, mas com um toque fresco e contemporâneo, onde os detalhes não foram deixados ao acaso.

Com uma carreira sólida que combina técnica apurada e respeito pelo produto, Luís Gaspar tem-se afirmado como uma das figuras centrais da gastronomia portuguesa. Eleito Chefe Cozinheiro do Ano em 2017, Gaspar destacou-se pela sua capacidade de reinterpretar clássicos e valorizar a cozinha nacional. Do Pica-Pau, onde deu uma nova voz à gastronomia tradicional portuguesa, ao Brilhante, a sua missão mantém-se clara: trazer de volta o glamour de outros tempos, mas com um toque moderno que ressoe na Lisboa cosmopolita.

O espaço: charme parisiense no coração de Lisboa

Ao cruzar as portas do restaurante, o visitante é imediatamente transportado para outra era. A decoração é um exercício de equilíbrio vintage e intemporal: móveis em madeira escura, detalhes metálicos dourados e uma iluminação quente criam um ambiente acolhedor e elegante, onde o tempo parece desacelerar.

Há quem possa ver alguma ostentação no design, mas essa perceção é subjetiva. Na verdade, o charme discreto e a atenção ao detalhe demonstram que a inspiração parisiense foi habilmente adaptada à alma de uma Lisboa que cresceu a sonhar com Paris e a patine das suas brasseries históricas.

O balcão central, que evoca mais uma vez os espaços de outrora, convida a um momento de convívio. É ali que a experiência começa, com um cocktail na mão e o olhar pousado na confeção dos pratos ao redor. Um espaço que une passado e presente, criando um palco perfeito para um mundo de convivio e interação que a internet tende a destruir.

A Experiência

Depois de absorvermos o charme parisiense do espaço, era hora de explorar a promessa da sua cozinha. Começámos pelo bar, onde os cocktails já indicavam a atenção ao detalhe que nos esperava. Optámos pelo Old Fashioned Brilhante, uma assinatura da casa, e pelo Pisco Sour. O primeiro, com uma base de whisky Bourbon, destacou-se pela boa integração dos elementos e pela estética cuidada, num cocktail robusto que combina perfeitamente com o ambiente. Já o Pisco Sour trouxe leveza e frescura, cumprindo bem o seu papel, embora sem surpreender.

Old Fashioned Brilhante

A atenção ao detalhe na construção desta viagem no tempo continua na mesa: da escolha dos materiais ao serviço de pão, baguette, obviamente, e manteiga fumada com que iniciamos a refeição.

Vieiras, puré de pastinaca e emulsão de lemongrass

Passando às entradas, seguimos a bom ritmo com as vieiras no sautée com puré de pastinaca e emulsão de lemongrass. Notas mais térreas e lácteas do puré bem refrescadas pela emulsão, num conjunto de cocção irrepreensível, que beneficiaria apenas de moluscos de melhor qualidade.

Ao lado, um bife tártaro, de corte e preparação clássica, picante q.b. e equiilibrado no tempero e elementos, trouxe intensidade e frescura. Ainda assim, a presença do óleo de trufa – um ingrediente que deveria ser abolido – acabou por interferir na experiência global. O prato, apesar de muito bem executado, brilharia mais sem este elemento.

Bife tártaro

Por esta altura bebia-se Terras de Lava Branco da Pico Wines 2020, um vinho fácil, com mistura de castas e um lado vulcânico e salino sempre muito cativante.

Continuando na senda da cozinha de conforto, nada apela mais a isso que o risotto de cogumelos que se seguiu. Cremoso, e rico no sabor cumpriu bem as suas funções, ainda que o grão de arroz pudesse estar mais al dente.

Risotto de Cogumelos

A pièce de résistance do Brilhante é o seu Bife, uma interpretação moderna e apurada do histórico Bife à Marrare que tanto marcou a cidade e que ainda hoje encontramos um pouco por todo o lado sob a égide de Bife à Café. A carne, alta e suculenta, foi cozinhada no ponto desejado, com um molho bastante mais apetitoso do que as versões mais convencionais do prato. O puré de batata trufado, que acompanha o prato, é rico e indulgente, mas novamente o “trufado” surge como um elemento que rouba a honestidade que o prato poderia ter. A frescura da salada de alface é o equilíbrio necessário para completar o conjunto.

Bife à Brilhante

Para o prato principal bebeu-se um, menos interessante, Touriga Nacional da Quinta do Vallado. Conservador e cheio de tudo, como é apanágio deste perfil de vinho.

Se há, além do bife e de outros ingredientes nobres como o foie gras ou o lavagante, um momento no Brilhante que encapsula o verdadeiro espírito daquela Paris irresistível, é a sobremesa. O mil folhas de baunilha e caramelo, uma criação irrepreensível, traz consigo a assinatura de excelência do chef pasteleiro Clayton Ferreira, responsável pelas sobremesas que têm elevado o patamar de qualidade em todos os espaços do Grupo Plateform.

Mil folhas de baunilha e caramelo

Neste mil folhas nada foi deixado ao acaso, as camadas finíssimas de massa inversée, crocantes e leves, são intercaladas com um creme de baunilha incrivelmente aromático, com notas suaves e persistentes que se conjugam com a doçura do caramelo e a frescura do gelado. – Infelizmente já não se encontra na carta, mas quicá não possa regressar…

A harmonização fechou-se com um Sauternes, Château Guiraud 2015, ou não estivessemos nós com um pé em Lisboa e outro em Paris. Um vinho exuberante mas simultaneamente equilibrado a fazer a transição de notas tropicais da juventude para um lado mais de marmelada e toranja.

Num almoço a meio da semana e com a casa a fogo lento,  o serviço foi mais do que um complemento ou um meio de transporte. A equipa, atenciosa e discreta, guiou a experiência com segurança. Desde a apresentação dos pratos até à sugestão dos cocktails, a equipa conhece o menu a fundo e faz-nos sentir que cada detalhe foi pensado para agradar. Nota para a carta de vinhos que na altura nos pareceu simples e reduzida a propostas mais conservadoras e que aos dias de hoje revela outros nomes mais ousados e uma excelente opção de vinhos a copo.

Conclusão

O Brilhante posiciona-se como um dos grandes tributos à Lisboa boémia de outros tempos, com uma cozinha pensada e um ambiente que mistura o charme da nostalgia com um toque cosmopolita. Sob a liderança de Luís Gaspar, o restaurante consegue equilibrar a reinvenção de clássicos com uma execução técnica consistente, oferecendo pratos que vão do conforto ao refinamento.

Contudo, o seu posicionamento elevado e a sua localização no Cais do Sodré levantam um ponto de reflexão: será que esta zona, ainda tão marcada pela vida noturna dos mais jovens, se ajusta a este conceito mais revivalista e sofisticado?

Para que o verdadeiro espírito do Brilhante floresça, é essencial que a casa esteja cheia e vibrante, com a agitação que transforma uma refeição num evento memorável. É no ambiente efervescente, na troca de olhares ao balcão, no som dos cocktails a serem preparados e na energia de uma noite já longa, que o restaurante pode realmente alcançar o glamour e a magia de uma viagem no tempo.

É justo reconhecer que esta visita aconteceu há algum tempo, e que alguns detalhes que, na altura, poderiam ser mais polidos, já tenham sido corrigidos. Um bom exemplo disso, ainda que obviamente temporária, é a introdução da Trufa Branca de Alba na carta, uma escolha que reflete maior autenticidade e respeito pelo produto, eliminando os aromas artificiais do “trufado”.

No final, o Brilhante é ainda uma promessa que merece ser revisitada. A cozinha, liderada por Luís Gaspar, tem potencial para se tornar um marco dessa nova Lisboa – nobre, elegante e cosmopolita – desde que consiga alinhar gastronomia, atmosfera e público.

Preços a partir de 26€ (menu de almoço sem vinhos)
Rua da Moeda, 1G, 1200-275 Lisboa

Fotos: Flavors & Senses
Textos: João Oliveira
Versão Inglês
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