Asitane

Muitas vezes utilizamos a expressão “comer como um Rei”, mas desta vez fomos mais longe e decidimos comer realmente como um Rei, ou neste caso, um sultão Otomano. O Asitane, aberto desde 1991, é um restaurante ou talvez seja mais uma instituição, que pretende recuperar as receitas dos antigos palácios Otomanos. Localizado numa das zonas mais antigas da cidade, bem ao lado da bonita igreja de São Salvador em Chora (casa de alguns dos mais bonitos painéis bizantinos ainda existentes), o Asitane talvez seja como eu disse, mais uma instituição do que propriamente um restaurante, ora vejamos, da sua vasta equipa fazem partes historiadores que vasculham os bem organizados livros do palácio, em busca de receitas, listas de compras e ingredientes utilizados nos gigantescos banquetes dos sultões. Sendo propriedade de um grupo bem sucedido noutras áreas de negócio, os lucros do restaurante são reinvestidos no mesmo, quer em formação das equipas (maioritariamente constituída por pessoas do próprio bairro, um dos mais tradicionais e pobres de Istambul), quer na investigação.

Como se isso não bastasse Batur Durmay, o proprietário, assegura-nos que um dos princípios do restaurante é não utilizar nenhum tipo de produto embalado ou com código de barras, recorrendo sempre a pequenos produtores biológicos que vêem neste espaço uma forma de melhorarem e desenvolverem o seu pequeno negócio.

Mas bom, ninguém está aqui para ler um bonito texto sobre história e caridade, mas sim sobre comida e banquetes, pelo que passemos ao que realmente interessa, a comida.

Já instalados, numa sala ampla e bem iluminada com decoração clássica e confortável, começa o nosso festim, o pão, de excelente qualidade, é inspirado numa receita do séc. XVI do Palácio de Topkapi, a acompanhar, azeite aromatizado e como amuse bouche, uma “trufa” de nozes, pimentos e oregãos.

Amuse bouche

Sopa de amêndoa e Sopa de Castanha
O início da refeição propriamente dita, não podia ser feito de melhor forma, uma sopa de amêndoa, com romã e um interessantíssimo toque de noz moscada, numa receita datada de 1539. A outra sopa, de castanhas, num caldo com especiarias mais frutos secos, menta e iogurte seco, foi ainda mais arrebatadora. Uma receita de inverno datada de 1469 que conquistaria certamente qualquer chef contemporâneo. Que início, que explosão de sabores!

asitane - 8Kebab e Kapak Boreği
Uma combinação de entradas quentes, com um Kebab (de 1764) feito com carne de vitela e cordeiro, sementes de coentro, pinhões e cominhos envolvida em redanho/crépine. Fantástico sabor, excelente textura e carne suculenta, além de boa integração com a cebola ligeiramente cozinhada com romã. A outra entrada, o Kapak Boreği, data de 1844, numa receita com carne de cordeiro picada com cardomomo, amêndoas e pinhões, a rechear uma excelente massa folhada. Um prato mais uma vez executado de forma irrepreensível e cheio de sabores, da carne, das especiarias e da própria massa. A acompanhar muito bem, para cortar um pouco toda a gordura e peso do prato, um exclente pickle de nabo. Muito, muito bom.

Couscous (1910)
Já comi muitas vezes esta massa tradicional dos países árabes, mas nunca como esta. Massa com grão maior, al dente, salteada com manteiga, nozes e salsa e coberta com queijo num prato que podia comer diariamente e não enjoar. É lindo ver como a simplicidade é o melhor remédio quando os ingredientes são de 1ª qualidade.


Marmelo Recheado (1539)
Para nós portugueses que tradicionalmente quase só utilizamos o Marmelo para a célebre “marmelada” é interessante ver a sua versatilidade em pratos salgados como este. Um prato cheio de história e um dos mais carismáticos do Asitane. Um marmelo recheado com arroz, vitela, cordeiro, frutos secos, passas e melaço de uva. O resultado é uma combinação agridoce, sem grande sobreposição de sabores, com todos os elementos a funcionarem muito bem no prato. Nota alta para as texturas do prato.

 
Mutancana, estufado de cordeiro com alperce, cebola e passas (1539)
Mais uma receita com mais de 5 séculos, que transportava a nossa boca para outras dimensões, um prato com notas doces bem balançadas, onde, mais uma vez, as texturas são um dos pontos fortes. Muito bem acompanhado  por um arroz verde, com a tonalidade a ser conseguida salteando o arroz com espinafres e ervas picadas.

Cabrito, pilaf, espargos (séc. XV)
Um dos pratos novos da carta do restaurante e um dos mais interessantes. Cabrito cozinhado lentamente, desfiado sobre um pilaf com passas, pinhões, fígado, orégãos e pimenta. Como comiam estes sultões… Sem dúvida um dos melhores pratos de cabrito que já provei.

Bal Helvasi , halva com mel, pistáchio e sementes de papoila (séc. XV)
Para terminar uma já longa e magnífica refeição, mais um clássico da doçaria turca, a farinha halva, cozinhada com mel, tornando-o menos doce e com uma textura mais interessante. Bom sabor mas a precisar de um elemento que elevasse o prato, talvez um gelado de iogurte ou pistáchio.

A harmonizar esta brilhante refeição o grande Quinta do Vesúvio 2009, que nos acompanhou de Portugal para uma fusão com a cozinha turca e o melhor vinho tinto turco que provamos durante a viagem, o Château Kalpak 2010 feito com um blend de Kalecik Karasi e Merlot. Ambos a funcionar na perfeição com os pratos provados durante o Almoço.

O serviço de sala é eficiente e correto, com os pratos a serem servidos com os tempos certos além de uma alegria genuína e bonita de ver em quem está a trabalhar.

Considerações Finais
Realmente não há como um festim de cozinha Otomana para que nos sintamos lordes, a cozinha do Asitane mostra bem como Cozinhar é uma arte com séculos de existência e muitos mais para perdurar. Sobre o restaurante não há muito mais a dizer, depois de toda a introdução, talvez só acrescentar que depois da visita de Anthony Bourdain no seu programa sobre Istambul, é certo que irão encontrar muitos turistas nas mesas do restaurante, mas o que é certo também é que não vão encontrar em mais lado nenhum uma cozinha mais autêntica e tradicional do que esta. Os ingredientes são de uma qualidade extrema e isso nota-se do prato mais simples ao mais complexo e elaborado. Foi sem dúvida a melhor refeição tradicional que tivemos na cidade, e uma daquelas que não vou esquecer enquanto não a repetir. Resta-me agradecer à equipa que transformou a cozinha turca numa das nossas cozinhas favoritas e desejar que cada País tivesse um Batur Durmay e um Asitane para recuperarem os receitários perdidos, com respeito, amor e muita, muita alma!

Asitane
Kariye Camii Sokak No:6, (ao lado da igreja de Chora) – Istambul
+90 (212) 635 7997
info@asitanerestaurant.com

Quinta do Vesúvio 2009 com o apoio da Symington Family

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