Évora | Cozinha Italiana autêntica com produtos e alma do Alentejo
Um restaurante onde a autenticidade não se proclama — vive-se
No coração histórico de Évora, onde o calor do Alentejo se entranha na pele como um perfume antigo, há um restaurante que não se encaixa em rótulos: o Tua Madre. Nem puramente italiano, nem tipicamente alentejano, este espaço único nasce da fusão perfeita entre duas culturas gastronómicas, criando uma experiência onde o tempo desacelera e cada sabor ganha profundidade inesperada.
Um lugar que nasceu da paixão entre o chef italiano Francesco Ogliari, natural de Crema, e a eborense Marisa Tiago, cúmplices na vida e na missão. E essa cumplicidade sente-se em cada detalhe — no produto, na técnica, na atitude e no ambiente.
A cozinha como Palco
Com formação em teatro e passagem por cozinhas de Berlim e Lisboa, Francesco encontrou no Alentejo o seu palco definitivo. Em Évora, com Marisa a seu lado, criou uma cozinha que é tão dele como do lugar onde se instalou.
A carta, ou melhor, a ardósia que a substitui, muda com o humor do chef, a inspiração do dia e, sobretudo, a generosidade da terra e dos seus produtores. É uma proposta viva, efémera e honesta que reflete a filosofia do restaurante: cozinhar com ingredientes sazonais, respeitando tanto a tradição italiana quanto o território alentejano que os acolhe.

Pratos com memória, com verdade, com sabor
Ao longo das várias visitas que fomos fazendo nos últimos anos, houve sempre dois elementos em comum, por um lado a surpresa de descobrir novos pratos e combinações, por outro a percepção que algum dos nossos favoritos naquele dia não fazia parte do menu. Faz parte da vida e da descoberta.

Por lá sempre se provou bom pão, um alentejano revisitado em formato de sourdough, sempre acompanhado de um dos melhores azeites nacionais “Amor é cego” e uma trabalhada “manteiga” de porco. Nunca faltaram enchidos de porco preto para despertar a gula, entre as propostas dos pequenos produtores da região, com destaque para o presunto e o lardo da Feito no Zambujal ou até uma língua afiambrada que surpreenderia até os mais céptidos dos comensais.

E se por vezes começamos de forma mais simples e tradicional como uma burrata complementada com ingredientes sazonais, outras foram os tártaros de cherne com pimentos tipo padrón ou o tártaro de carne com beringela assada e pinhões que levaram a predileção — aliás esse tártaro de vitela permanece ainda hoje na memória pela sua profundidade e equilíbrio de sabor numa combinação bem inesperada.

Depois vêm as massas. E aqui começa a poesia.
Selecionando algumas, O torchietti com ragù de borrego e beldroegas — um prato onde a rusticidade alentejana abraça com precisão técnica a densidade da tradição italiana — foi tomado de assalto pela nossa filha de 3 anos. Um prato que equilibra perfeitamente a intensidade da carne com a acidez subtil das ervas silvestres, criando um prato onde a rusticidade alentejana abraça com precisão técnica a densidade da tradição italiana.

Os agnoletti recheados com queijo de cabra, acelgas e manteiga fermentada, podiam ser servidos em qualquer restaurante estrelado, tendo tanto de refinado como de simples e confortável. Aqui, Francesco demonstra muita maestria técnica: a massa, com ponto perfeito, protege um recheio cremoso que derrete com elegância ao primeiro contato com o palato.

A clássica carbonara não podia faltar nesta seleção, feita como deve ser, com ingredientes alentejanos, levemente crocante, de molho cremoso e envolvente que nos entrega a textura perfeita, tantas vezes menosprezada — um prato que ganha protagonismo sem esforço.

O tagliatelle al ragù, que a nossa filha devora em dose dupla, se lhe for permitido. Feito com todos os predicados de quem tem uma reputação e uma tradição a manter.
E ainda: uma irreverente pasta com mexilhão, bottarga e grão de bico, numa combinação ousada e memorável.

Mas nem só de Pasta vive a cozinha de Francesco, o arroz de camarão vermelho com lardo, é talvez, um dos seus pratos mais marcantes — um prato onde o mar e a terra se fundem numa dança de sabor: rica e inconfundível, ou até uma Costeleta de Porco, bem trabalhada e a deixar sobressair a nobreza de um produto criado com respeito, tempo e amor.
Nas sobremesas, duas estrelas: a mousse de chocolate com azeite e flor de sal e a rabanada. Esta última, feita com respeito e arte, capaz de deixar qualquer membro da confraria orgulhoso.

Se a cozinha vibra com paixão, os vinhos não ficam atrás. É Marisa quem assume a curadoria da carta, onde brilham pequenos produtores e vinhos de baixa intervenção. Propostas que, longe das tendências fáceis, espelham uma seleção consciente e coerente com a cozinha da casa. Na nossa mesa, nunca faltaram surpresas felizes: como o espumante Tubarão, das raras masseiras de Ricardo Garrido – salino, fresco e divertido. Ou os brancos da italiana Foradori, num diálogo bonito entre terroirs e vontades.

Num país onde restaurantes italianos abundam, mas poucos transcendem o previsível, o Tua Madre destaca-se por não fazer concessões à conveniência ou aos estereótipos. Enquanto muitos estabelecimentos em Lisboa e Porto disputam os holofotes com propostas sofisticadas, este pequeno tesouro eborense conquista pela honestidade e coerência – provando não só as similitudes entre a cozinha italiana, nomeadamente a toscana, e a alentejana, como também que a verdadeira inovação pode acontecer longe dos grandes centros, através de um diálogo genuíno entre técnica, culturas e produtos. Sem pretensões ou falso storytelling.
Considerações Finais
O Tua Madre é um daqueles raros lugares onde tudo parece acontecer sem esforço — mas onde, claramente, tudo foi pensado ao pormenor. Onde a cozinha é expressão de identidade, e o produto tratado com a reverência que merece. Onde não há necessidade de impressionar com nomes, desconstruções ou pratos servidos em objetos não identificados. A comida chega simples, chega certa, chega boa – com o luxo da simplicidade bem feita, do detalhe cuidado, da verdade de cada ingrediente.
É obrigatório — para quem cozinha, para quem come, para quem sente. Para os que procuram a verdade num prato — aqui terão um templo, um porto seguro do sabor sem superficialidade. Para os que se queixam de não ter cozinha suficiente ou equipamentos de última geração — aqui está a prova de que o essencial basta. E para os que se acham exigentes demais para se deixarem surpreender… pois bem, preparem-se para mastigar o orgulho!
Não, o Tua Madre não é um italiano, nem tampouco um alentejano. É um espaço singular, nascido de uma autêntica história de amor — entre Francesco e Marisa, entre Itália e Alentejo, entre tradição e intuição.
É, sem sombra de dúvida, um dos mais belos, coerentes e deliciosamente despretensiosos restaurantes de Portugal. Um daqueles raros sítios onde comemos e, no fim, só nos apetece fazer uma coisa: voltar.
Preços a partir de 35€ (sem vinhos)
Alcarcova de Baixo 55 – Évora