Há alguns anos que acompanho de perto o trabalho do jovem chef Arnaldo Azevedo (eleito Chef A Seguir nos prémios Flavors & Senses – Os Melhores para 2014), mas por estranhos motivos só agora visitei a sua casa, ou como quem diz, o Palco onde é o actor principal desde a sua abertura.
Quanto ao restaurante, este está inserido no charmoso Hotel Teatro, um Design Hotel, que ocupa o espaço onde outrora brilhou o Teatro Baquet, com a assinatura , mais uma vez brilhante, de Nini Andrade Silva. Ao passarmos a pesada porta da entrada, iluminada por Almeida Garret, entramos numa peça, com cada divisão a tornar-se um diferente momento cénico, em que por momentos ficamos sem saber se seremos espectadores ou figurantes de uma peça pronta a começar!
O Palco respira esse mesmo conceito, com os seus tons quentes e iluminação suave que nos transporta para um certo romantismo, com uma decoração sóbria onde alguns elementos de design exclusivo enchem o espaço.
Voltando à estrela da peça, Arnaldo Azevedo, e apesar da sua idade, não se fez “actor” por simples graça, cresceu a ver o pai cozinhar (o Arnaldo Pai, tem um restaurante de cozinha tradicional em Ermesinde – Toca da Formiga), aprendeu e formou-se na célebre escola de Santa Maria da Feira antes de rumar aos restaurantes do Pine Cliffs, o saudoso Mesa (sabem como tenho saudades dessa cozinha do Luís Américo) e do estrelado Amadeus, onde partilhou a cozinha com o austríaco Siegfried Danler Heinemann.
Ou seja, não lhe faltou experiência antes de se estrear neste monólogo.
Pouco depois de nos sentarmos e enquanto vamos dando uma vista de olhos pelo Menu, somos recebidos com as boas vindas do chef, um corneto (os chefs hoje em dia não se cansam dos cones!) com brandade de bacalhau e azeitona seca. Temperatura e texturas certas, num início cremoso e saboroso.
Entre os 3 menus disponíveis, optamos pelo menu Almeida Garret (52€ – 5 pratos), sendo que também é possível pedir à carta os vários pratos e sobremesas de cada menu.
Seguiu-se o pão, como não poderia deixar de ser, com um simpático brioche e um bom pão de sementes, acompanhados por uma boa tapenade de tomate seco, e boas manteigas de foie gras e pimenta selvagem (saborosas e na temperatura correta) além do sempre delicioso azeite da Acushla.
Seguiram-se os snacks, onde o chef mostra bem, como gosta de fundir nas suas cozinhas, o respeito pelo lado clássico da cozinha com as técnicas e apresentações da cozinha mais contemporânea. Provou-se uma ótima enguia fumada com sour cream e caviar beluga, uma invulgar e bem frita espinha de carapau com brandade e ceviche de carapau e puré de abacate.
enguia fumada com sour cream e caviar beluga
espinha de carapau com brandade e ceviche de carapau, puré de abacate
Uma “sandes de leitão”, numa interpretação deliciosa do clássico bairradino, em que um pequeno pedaço de barriga de leitão, suculenta e de pele estaladiça é servida com uma pequena tortilha. E ainda, uma homenagem ao mestre Joel Robuchon, com o seu célebre puré de batata com trufa negra. Pouco mais se poderá pedir de um início de refeição! Técnica, sabor, apresentação e distinção!
Lagostim, foie gras e trompetas da morte
Confesso que parti para este prato com algumas reticências, os lagostins são um dos meus ingredientes favoritos e tinha medo da ligação com o foie onde a sua delicadeza de sabor e doçura natural se poderia perder facilmente ao lado do peso e intensidade do foie. Mas saí conquistado, o molho tinha a quantidade certa de foie para se fazer sentir sem se sobrepor ao lagostim (bem cozinhado), bem ladeado pelas notas terrestres do cogumelo. Um grande prato, onde brilhou o equilíbrio e um princípio certeiro de que “menos é mais”.
Pescada de Anzol, xerém de amêijoas e percebes, joselito
Um prato que junta as raízes nortenhas de Arnaldo Azevedo com o seu trabalho no Algarve, juntando, e bem, a pescada ao xerém. Peixe no ponto e húmido, onde faltou a pele crocante. Saboroso e bem preparado o xerém, onde brilharam as amêijoas e as percebes, enriquecendo o sabor a mar. Nota alta ainda para a junção da ervilha, cuja doçura equilibrou o prato, e do presunto cuja untuosidade o enriqueceu. Menos interessante foi o aipo, que embora compreenda a sua adição, pelo sabor e frescura, falhou na textura.
Risotto verde, ovo 63º e trufa negra
Quando nos é retirada a tampa da clássica panela de cobre e a sala ganha o aroma do “ouro negro” – sem os horríveis óleos e azeites – todos os sentidos se despertam. Arroz bem preparado, com uma bonita cor verde, à base de espargos e espinafres, e um ovo também ele bem conseguido, resultando numa mistura de comida de conforto revisitada e elevada à boa maneira da haute cuisine.
Porco Alentejano, Alcachofras, couve de bruxelas e pickles
Apresentação elegante, onde mais uma vez percebemos que a assinatura de Arnaldo Azevedo não passa por acrescentar vários elementos ao prato, mas sim permitir que os 3 ou 4 que utiliza brilhem em conjunto e por si só, com uma ou mais texturas. Delicioso o puré de alcachofras, apesar da sua cor menos convidativa, perfeito o jus de porco que ajuda a carne e todos os elementos a ligarem-se. Por falar em carne, foi o parente menos interessante do prato, precisando de um pouco mais de sabor e de uma textura mais suculenta. Nota alta para o pickle de cebola e açafrão, cuja frescura e acidez deram aquele kick, para elevar o prato.
Maça, Yuzu e toffee
No capítulo doceiro acabamos por aceitar o desafio do chef e provamos as suas 3 propostas, começando por esta, à base de maçã. Uma sobremesa que convenceu, pela sua frescura e doçura bem equilibradas. Duas pequenas maçãs, recheadas com puré de maçã assada que explodem na boca e nos levam imediatamente para esse clássico, bem conjugados com a frescura do yuzu e da granny smith, com o gelado de iogurte grego e claro com as notas mais doces do toffee apresentadas em várias texturas. Nota alta também para o “prato” , um saco de gelo moldado de forma a receber a sobremesa. Muito, muito bom!
Framboesa, coco e ananás dos Açores
Mais uma sobremesa que me enche as medidas, com uma combinação de várias texturas de framboesa, da natural, ao bolo, passando pela fina gelatina de coulis, que envolve a ótima pannacotta de coco. Nota alta também para o gelado de ananás, num harmonioso conjunto dos três frutos. A não perder!
Até aqui acompanhamos a refeição com um Encruzado do Dão, o Munda 2010 (24€), um vinho cuja frescura, mineralidade e acidez permitiu uma boa harmonização com os pratos de peixe e marisco, assim como o seu corpo e a madeira bem integrada permitiram a ligação com o prato de porco. Um bonito vinho, que tão bem representa as qualidades da casta.
Chocolate, café, fava tonka
Para finalizar, e porque o mesmo não pode faltar em nenhum menu, o chocolate, numa combinação clássica com o café e a fragrância da fava tonta. Várias texturas, de chocolate, da bomboca ao chocolate temperado. Bom o uso, do café, mais uma vez ponderado e equilibrado, de forma a não se sobrepor aos restantes elementos. Um final Guloso!
A brilhar esteve também um magnífico Tawny 40 anos da Graham’s, cujo nariz complexo e as notas de caramelo e chocolate se revelaram a companhia perfeita para terminar esta refeição.
Enquanto finalizamos o Porto tivemos a companhia de umas mignardises clássicas, como a pâte de fruit de frutos vermelhos, o bombom de chocolate branco com anis e o macaron de rosas. Todas elas bem conseguidas.
O Serviço decorreu com eficiência, verificando-se o conhecimento e o gosto de quem lá trabalha, não só no conhecimento dos pratos, mas também naquele brilhozinho nos olhos de quem corre por gosto e é feliz onde está.
Considerações Finais
Se no passado tinha a certeza que Arnaldo Azevedo era uma das principais promessas da sua geração, saí do seu Palco com a certeza de que já não é promessa, mas sim um caso sério de talento e trabalho. Arnaldo pratica uma cozinha em que me revejo, não caindo nas tentações de se dedicar apenas a uma cozinha mais contemporânea, seja ela de base nórdica ou espanhola, ou de se deixar ficar pelo passado da escola francesa e austríaca. O seu menu é, assim, uma conjugação de clássicos com pratos mais criativos, permitindo-se ousar mais nos snacks e nas sobremesas, imperando o rigor técnico nos pratos aliado ao sabor. Sabor esse que não falhou em prato nenhum, seja nos mais ou menos conseguidos.
Dir-se-á que não é um restaurante barato, e não o é certamente, mas é no entanto um dos restaurantes onde a relação entre o preço e a qualidade do produto e da oferta mais se equilibram. O tempo, esse encarregarse-à de o tornar não só um dos grandes restaurantes do Porto, como um dos principais palcos do País!
Uma peça a repetir!
Restaurante Palco – Hotel Teatro
R. de Sá da Bandeira 84 – Porto
+351 220 409 620
geral@hotelteatro.pt
Fotos: Flavors & Senses