Nos últimos dez anos, a Tailândia deixou de ser conhecida apenas pela sua comida de rua e preços baixos, emergindo como uma potência asiática no Fine Dining. Esse reconhecimento deve-se em grande parte a chefs como Thitid Tassanakajohn, mais conhecido como Chef Ton, e outros jovens que, após formação e carreira no estrangeiro, regressaram ao seu país determinados a aplicar os seus conhecimentos internacionais na cultura, ingredientes e receituário local.
Foi isso que Ton fez primeiramente no seu Le Du, combinando ingredientes tailandeses com o refinamento técnico mais ocidental, o que lhe valeu a fama internacional e o 1º lugar no Asia’s 50 Best em 2023.
Vários negócios e restaurantes depois, Ton e o seu irmão mais novo Tam, maître e sommelier, decidiram homenagear a sua avó, Nusara. A avó com que cresceram e cuja influência despontou a paixão de ambos pela culinária. Inicialmente pensaram num restaurante de comida tradicional mas após a morte de Nusara em 2020, concluíram que a melhor homenagem seria através do fine dining, criando um mundo novo de refinamento e autenticidade ao qual a gastronomia tailandesa estava pouco habituada.
O restaurante de apenas dez lugares foi um sucesso imediato, começando desde logo a conquistar não só palatos como reconhecimentos internacionais, culminando com o 6º lugar no Asia’s 50 Best e o prémio de Art of Hospitality 2024.
Com a disponiblidade de um novo edíficio ao final da rua, mesmo em frente ao mediático templo Wat Pho, o Nusara mudou-se de malas e histórias para um espaço que permitiu evoluir ainda mais a sua narrativa e proposta gastronómica.
Ton gosta de descrever a cozinha do Nusara como “cozinha tailandesa colorida”, uma combinadação de tradição e modernidade que mantém a ideia de uma refeição familiar, sem perder a ambição e o estatuto de alta cozinha.
Ao entrar no edifício, somos recebidos no Lounge com a tradicional hospitalidade tailandesa, onde se inicia a experiência com uma bebida e uma introdução ao conceito e à história do restaurante. A viagem começa no lounge e continua na cozinha, onde o Chef Ton e a sua equipa nos brindam com o primeiro round de aperitivo: um crocante com tártaro de camarão vivo, porco fermentado e flores de prímula, seguido de uma tartelete de coco com lula, camarão e geleia de garoupa. Estes momentos iniciais, delicados e saborosos, são um bom presságio para a experiência que se avizinha.
Da cozinha passamos ao último piso, uuma viagem que pode ser feita de elevador ou à boa maneira antiga, passando pelas diferentes salas do restaurante e a sua belíssima garrafeira, tudo decorado com harmonia e bom gosto.
No rooftop, somos presenteados com uma vista deslumbrante sobre o templo Wat Pho. Este cenário deslumbrante é o pano de fundo perfeito enquanto Tam nos guia pelo serviço, começando com a sua seleção de champagnes. Seguimos então com Krug edição 171, um vinho centrado na colheita de 2015, repleto de notas típicas de krug, com notas salgadas e uma acidez que complementa na perfeição o próximo prato: Caviar com Dumpling de peixe e caldo de peixe seco. O Dumpling, estética e tecnicamente irreprensível, oferece um contraste de texturas e sabores de pura elegância. Seguiu-se um Cone de arroz com Tártaro de Wagyu Tailandês a acompanhar a apresentação dos produtos que fariam parte do jantar.
Descemos então um piso e sentamo-nos à mesa, onde nos espera um delicioso cocktail puramente tailandês, feito com Coco, Abacaxi, Galangal e Sato – o vinho de arroz tailandês.
Vieira de Hokkaido, Molho Miang Kham e Sorvete de Bastão-do-Imperador
A Vieira crua, de textura delicada e doce, a contrastar bem com a explosão de umami que era o molho de Miang (coco, galangal, amendoim, pasta de camarão, acúcar de palma, molho de peixe, entre outros) e a frescura do sorvete de bastão-do-imperador – uma flor comestível também conhecida por Ginger Torch.
Lula, Pepino e tomate Heirloom
Seguimos com outra entrada leve e fresca em que o pepino e o tomate servem de cama a flores comestíveis e a uma lula cortada finamente e disposta como um véu. “Simples” e eficaz, esta entrada foi acompanhada por um chá cold brew gasificado, um belíssimo duo de sabores.
Caril de Caranguejo Nadador Azul, Ovas de Caranguejo-ferradura e Noodles de Arroz Crocantes
Este foi, sem dúvida, um dos momentos altos de toda a experiência! A doçura do caranguejo cozinhado no ponto, combinada com o contraste de texturas, e a profundidade de sabor trazem à mesa o conforto da cozinha familiar, numa versão sofisticada e inesquecível. Um grande prato!
A harmonizar esteve um não menos nobre, Chante-Alouette Hermitage 2019 de M.Chapoutier, um vinho com pedigree que demonstrou toda a sua estrutura e volume sem se sobrepor ao caril.
Gourami, Cavaco e Tom Kha
Nesta reformulação da receita clássica Tom Kha, a sopa de leite de coco substitui a galinha ou o pato por peixe e marisco, oferecendo uma versão menos picante mas cheia de nuances de sabor, perfeita para abrir caminho aos pratos principais.
No copo surgiu uma surpreendente sidra de pera Fossey de Jérôme Forget, de bolha fina e sabor e aroma a frutos tropicais.
Depois de aperitivos e entradas, a mesa serve a uma refeição familiar com pequenas porções de diferentes e coloridos elementos: Salada de Pasta de Camarão com Melancia, Agridoce de Tomate com pepino, Agridoce de Amendoim com Barriga de Porco Doce e Agridoce de Erva Príncipe com Bétele, compunham um dos pratos visualmente mais apelativos de todo o jantar, numa demonstração da influência da cultura japonesa nos chefs mais atuais. Ao lado esteve uma maravilhosa Salada de Camarão Grelhado e um Caril Verde com Frango Fumado e Dumpling. Estes pratos culminam com a chegada do caldo de vitela e a Costela Mendinha de Wagyu, servida com um picado de wagyu e folha de manjericão sagrado, acompanhados de generosas doses de arroz banco e vermelho.
Mais um daqueles pratos que traz à memória o conforto de uma mesa de família mas com pratos trabalhados de forma mais técnica e apurada. Um momento guloso em que o picante se fez verdadeiramente sentir em algumas garfadas.
A harmonização ficou a cargo de chás frios e quentes mas também um sempre apreciavél Gaja Barbaresco de 2020 que demonstrou a seriedade com que Tam não aborda o pairing de vinhos.
As sobremesas começam com uma refrescante combinação de goiaba rosa e parfait de roselle, um momento de viragem onde o merengue se conjuga com notas frescas e a leve doçura do conjunto. Muito bom!
Sagu, Coco fresco e Castanha Verde
Apesar de visualmente menos apelativa e colorida, é fácil de perceber o porquê de esta sobremesa fazer parte do menu quase desde o ínicio do restaurante. Sagu verdadeiro cozinhado com harmonia e delicadeza em sumo de coco fresco, servido com taro cozinhado a vapor, gelado de coco salgado, leite de coco e castanha. Cremoso, leve, fresco sem excessos de doçura como deve ser o final de um menu.
Para complementar o prato foi servido um refrescante cocktail à base de coco e sato.
O carrinho de petit fours encerra a refeição com um sortido autêntico e delicado de sabores tailandeses, como manga, abacaxi, lichias, amendoim, pandan e coco, trabalhados com refinamento e elegância.
Quanto ao serviço, tudo decorreu da melhor forma, ou não tivessem sido premiados com o título de Art of Hospitality no Asia’s 50 Best. Tam e o seu experiente director de serviço Martin criaram um momento envolvente juntamente com toda a equipa, sem excessos de finalizações, explicações ou storytelling, deixando a refeição fluir com subtileza.
Um ponto que importa referir neste Nusara é a sua carta de vinhos e o seu pairing. Primeiro uma aposta forte de quem ambiciona ser um referente viníco na cidade, segundo uma escolha com sentido, num intercalar de escolhas clássicas com momentos disruptivos como a sidra de pera, os chás e os cocktails. Um caminho mais que certeiro!
Considerações Finais
Depois de ler coisas muito positivas sobre os primeiros anos do Nusara e de acompanhar a sua ascensão meteórica nos rankings gastronónomicos, as expectativas foram-se forjando, mais ainda com uma nova localização onde os irmãos Ton e Tam passaram a dispor de melhores condições para prestarem a devida homenagem à sua Avó Nusara.
No momento certo quis um amor eterno e o trabalho de toda uma equipa que essas mesmas expectativas fossem facilmente superadas – o cenário idílico, o ambiente acolhedor e intimista, os sorrisos e, acima de tudo, a comida tornaram esta visita memorável.
Ton descreve a cozinha do Nusara como “cozinha colorida tailandesa, algo que não é nem tradicional nem moderno”. No entanto, o Nusara vai além disso, apresentando uma interpretação da culinária tailandesa próxima da cozinha kaiseki, onde cada elemento é trabalhado com precisão e apresentado com delicadeza. Esta abordagem equilibrada de sabores e texturas agrada tanto a locais quanto a clientes internacionais, e que acredito no futuro irá evoluir e ganhar um pouco mais de audácia para desafiar ainda mais o palato dos visitantes menos treinados com a sua cultura.
Seja para um jantar romântico ou para uma viagem gastronómica pela Tailândia do chef Ton, o Nusara é visita obrigatória!
Preços a partir de 140€ (sem vinhos)
336 Maha Rat Rd, Phra Borom Maha Ratchawang, Phra Nakhon, Bangkok – Tailândia