Localizado na emblemática Casa da Calçada, outrora Palácio do Conde de Redondo, hoje Hotel de charme ( ver mais ), o Largo do Paço é uma espécie de milagre gastronómico no interior de Portugal. Durante anos foram três os chefes portugueses que aqui conseguiram a sua estrela Michelin, José Cordeiro, Ricardo Costa e Vítor Matos, que a mantém hoje em dia.
Vítor Matos nasceu na Suíça e por lá se fez cozinheiro com base na Escola Francesa. Em Portugal foi passando sempre por projetos hoteleiros, fazendo a sua ascensão calma e ponderadamente até que em 2010 aceitou começar a liderar a cozinha do Largo do Paço.
O restaurante respira a mesma imagem que o Hotel, com uma decoração clássica, mesas amplas e bem espaçadas, umas cadeiras caricatas (mas pouco confortáveis) e uma excelente vista sobre o rio.
Já instalados e prontos para iniciar o festim, somos recebidos com um copo de espumante Portal da Calçada Bruto, feito com as castas Azal, trajada e loureiro das vinhas que circundam a propriedade da Casa da Calçada. Um vinho de bolha fina, cítrico e com alguma cremosidade e delicadeza na boca.
Seguiram-se duas manteigas, uma de caviar e outra de algas, servidas à temperatura certa com sabores suaves e mas muito bem conseguidos. A acompanhar uma variada seleção de pães como focaccia, nozes, alho, sementes e um pão tradicional. Bons, mas sem nenhum destaque.
É a vez de entrarem em campo as saudações do chef, que no caso de Vítor Matos se dividem em 3 momentos e num sem fim de aperitivos. No primeiro momento, Tártaro de vitela, pele de lula, caviar, beterraba e papel de arroz, Barriga de porco com chutney de manga e tortilha, umas Air Baguetes com presunto de porco bísaro, ao bom estilo espanhol celebrado por Albert Adrià. Havia ainda Trufas de alheira e umas falsas mini beterrabas de foie gras, que nos remete para a famosa tangerina de Heston Blumenthal.
Destaque para o foie com beterraba, pelo sabor, textura e combinação de sabores e para o elegante tártaro de vitela do qual não me importava de receber uma porção maior.
No segundo momento deixamos os sabores da terra para nos “afundarmos” no fundo do mar, não só pela névoa de gelo seco e algas, que aromatizava a sala – num claro apelo a todos os sentidos – mas principalmente pelos seus componentes, Camarão da costa, lavagante, moscatel, molho de ostra, yuzu e creme de coentros e uma tempura de algas com mousse de açafrão. Destaque para a frescura do aperitivo de camarão, uma colherada de sabor a mar bem balanceada pelo moscatel e a frescura e textura do creme de coentros. Destaque ainda para a crocância da tempura.
No terceiro e último momento, antes de se iniciar o menu “Largo do Paço”, mais uma bonita e cuidada apresentação com um cone de ceviche de salmão, guacamole e ovas de truta. Um excelente final, repleto de frescura e sabor num bom jogo de texturas, que se viria a revelar uma das características de Vítor Matos ao longo da refeição.
Foie Gras, beterraba, ruibarbo, maça, kumquat, citronela e aipo
Iniciando pelo Foie Gras, o chef apresentou-o em três texturas, uma excelente terrina, uma mousse e uma esfera semelhante à dos aperitivos. Fiquei particularmente agradado com as texturas e sabor que conseguiu nos 3 elementos de foie, assim como na sua combinação com a beterraba e os pinhões (no caso da mousse). Destaque ainda para a frescura de elementos como o aipo ou o gelado de maça verde e citronela que cortou muito bem a gordura do foie tornando o prato muito mais leve.
Sardinha, ovas de sardinha, tomate, cebolo, coentros, gaspacho e azeitona
Mais um prato dividido em 2 momentos ou melhor, duas formas de apresentar a sardinha. O primeiro com o mesmo (e saboroso) creme de coentros dos aperitivos, gaspacho e ovas de sardinha. O segundo, um granizado de tomate com tártaro de sardinha, pepino e azeitona. Ambos irrepreensíveis quer na textura quer no sabor, embora no primeiro impacto o granizado revela-se demasiado frio, escondendo alguns sabores, que depois se abriram e revelaram. Um prato super fresco e apelativo para esta época do ano. Muito bom.
A acompanhar todos estes pratos esteve mais um vinho da casa, o Branco entrada de gama feito à base, principalmente, de Azal, que se mostrou leve e fresco.
Salmão, cabeça de porco, enguia fumada, acelga, alvarinho, açafroa e ovas de truta
Salmão em jeito de mi-cuit, com excelente sabor e textura delicada. Boa a conjugação das acelgas a dar um toque de terra ao prato e do leve fumado da enguia e da cabeça de porco, com tudo muito bem ligado pela emulsão de alvarinho e açafroa dos Açores. Um excelente prato!
Salmonete, gamba-rosa, algas, ouriço do mar, gnocchis de açafrão
Uma verdadeira combinação de sabores do mar, um dos meus peixes favoritos, o salmonete, combinado com uma gamba de cocção invejável, um molho ótimo, à base de açafrão e fígado de salmonete. Num conjunto apenas manchado pela textura demasiado densa dos gnocchis.
Os dois últimos pratos foram harmonizados com o Quinta da Calçada Exuberant 2012, um vinho elegante, com boa mineralidade e toque cítrico que funcionou bem com os pratos de peixe.
Primeiro tempo do prato de carne (tártaro)
Vitelão
1º Momento – mostarda em grão, ovo de codorniz, molho mexicano, pão de alho, pickels
Com o prato de carne a ser servido a 2 tempos, foi também servido a duas temperaturas. Primeiro o tártaro, tecnicamente muito bem preparado, bonito e leve, com a acidez do pickle e do pepino a funcionar muito bem com a untuosidade do ovo e os elementos mais doces e picantes do molho. Muito Bom.
2ºMomento – cherovia, Salva, cantarelos (o nosso prato parecia trazer trompetas da morte?), queijo da serra, tutano, alho negro e cebola caramelizada
Carne com sabor tenra e no ponto. Bons os raviolis de queijo da serra com o queijo na medida certa, sem que houvesse sobreposição de sabores. Gostei também da cherovia em duas texturas e de toda a ligação à terra que Vítor Matos consegue neste prato, independentemente do tipo de cogumelo. O Tutano foi a “cereja no topo do bolo” dando outra dimensão ao prato.
A harmonizar com este prato tivemos, desta vez, um tinto do Douro, o Restrito Grande Escolha 2011, um vinho bem conseguido, como foi apanágio do ano, dominado pela Touriga Nacional mas sem que as características da mesma se sobrepusessem ao vinho.
Framboesa, Líchia, Mascarpone, morango, ruibarbo e Lima Kaffir
Em jeito de pré ou 1ª sobremesa, surgiu um prato que me enche as medidas no que diz respeito ao capítulo doceiro – frescura, fruta, elegância e doce na medida certa. Um bom jogo de texturas mais uma vez, da gelatina, ao bolo húmido, ao chocante do merengue, tudo funcionou em perfeita harmonia. Top!
Beringela, Sabugueiro, Abóbora, Aloé Vera, Pinhões, Queijo de Azeitão e Baunilha
Uma sobremesa que mais uma vez cumpriu os meus requisitos de leveza e frescura para o fim de uma refeição já de si longa. Inteligente o uso da Beringela, realçando a sua textura e doçura natural, muito bem contrastado com os restantes elementos, onde pela diferença se destaca a leve mousse de queijo de Azeitão e o excelente gelado de Baunilha.
As Sobremesas foram acompanhadas por um Colheita Tardia – Outono de Santar 2011 à base do famoso Encruzado do Dão. Um vinho com um bonito tom de palha e notas de fruto seco e algum pêssego. Um final fresco!
A carta de vinhos conta com a presença de todas as principais referências nacionais, guardadas numa bonita e mais contemporânea cave que acabamos por visitar com o Chefe. Já a harmonização que nos foi sugerida, funcionou no geral em todos os pratos sem que houvesse um fator surpresa (ainda acabaria por vir!) ou uma combinação imperdível.
O Serviço decorreu calma e pausadamente, com os tempos certos sem ser invasivo e demonstrou um bom conhecimento dos pratos.
Entretanto fomos convidados para conhecer a cozinha, enquanto trocamos algumas palavras com o chefe e provamos as suas delicadas mignardises, com destaque para o bom chocolate e o financier. Aqui apenas melhoraria a seleção de chás disponível.
Conversa puxa conversa, entre pratos, cozinhas e vinhos e acabamos na elegante garrafeira do restaurante a provar o Moscatel do Douro que Vítor Matos (um grande enófilo) fez em parceria com a Dalva, um Colheita 2003.
Um vinho criteriosamente escolhido por Vítor Matos entre os cascos armazenados pela Dalva, com um rótulo também da sua autoria (o chefe é também um interessante artista plástico). O vinho apresentava uma lindíssima cor dourada, com nuances florais, pêssego, casca de laranja e mel, criando um moscatel bastante apelativo e nada maçador.
Considerações Finais
Vítor Matos tem o mérito e ousadia de numa região interior e conservadora, num hotel clássico e de charme, apresentar uma cozinha contemporânea, com uma série de nuances vanguardistas e detalhes irrepreensíveis. É notável não só o facto de manterem a estrela Michelin (mais ainda depois de ver a pequena cozinha em que trabalhavam no passado), mas também o facto de o fazerem no interior, com certamente menos fornecedores, menos mão de obra e certamente menos comensais. A cozinha apresentou um excelente domínio técnico e um cuidado e interesse especial não só pelo sabor mas pelo despertar de todos os sentidos, fosse através do olfato ou da exímia combinação de texturas e cores. Revelou-se, assim, e ainda que com um ou outro elemento menos conseguido, uma excelente experiência gastronómica num espaço de visita obrigatória.
Casa Da Calçada
Largo do Paço, 6, Amarante
(+351) 255 410 830
book@largodopaco.com
Nota
Estivemos na Casa da Calçada e no Largo do Paço a convite, sendo que isso em nada altera o nosso trabalho cuja opinião e o texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor.
Fotos: Flavors & Senses









