La Degustation *

Acabados de chegar a Praga depois de uma longa viagem, com táxis, escalas, ubers e check-ins, saímos do Hotel (ver) para conhecer o centro histórico da cidade, enquanto fazíamos horas para a nossa reserva no La Degustation – Bohême Bourgeoise. O restaurante, aberto em 2006, faz parte do grupo Ambiente – proprietários de alguns dos mais famosos restaurantes da cidade em que o foco é a qualidade dos ingredientes e a raiz checa da sua assinatura. O espaço foi ganhando prestígio como o melhor restaurante da cidade, até que em 2012 ganhou a sua primeira estrela Michelin.

A cozinha, entregue a Oldřich Sahajdák, é uma combinação da cultura Checa, dos ingredientes locais e dos seus sabores, com a estética e conceito da nova cozinha nórdica, pelo que esperamos combinações invulgares e pratos em que a simplicidade nos arrebata os sentidos.

Já no interior do restaurante, a decoração corresponde às expectativas, com um ambiente moderno, numa das alas dominado pelo elegante bar e noutra pela cozinha aberta onde os chefes finalizam os pratos, em jeito de peça de teatro bem orquestrada. Tivemos direito a mesa na primeira fila, junto à cozinha, desfrutando assim de uma outra forma de ver e apreciar os pratos.

Amuse bouche

Mal no sentamos somos recebidos por dois pequenos rolos de um finíssimo pickle de raiz de aipo, que serviu para pôr as papilas gustativas em actividade. A acompanhar, um espumante Checo, Gala Extra Brut, 100% Chardonnay, que surpreendeu pela positiva dado o meu parco conhecimento sobre vinhos Checos.

Snacks

 Seguiram-se quatro snacks, em que rapidamente se percebeu o nível de criatividade que se vive na cozinha do La Degustation, Orelha de Coelho crocante com patê de pato, Batata crocante com cenoura, alho e cebola, Pickle de Pepino com alecrim, Pele de Peixe crocante, maionese e flores. Destaque para a deliciosa e estaladiça orelha de coelho a lembrar um bom torresmo e a pele de peixe, de sabor leve e elegante com um aroma delicado.

tártaro 

Para finalizar os Snacks, serviram um tártaro, entre duas finíssimas fatias de pão crocante que resultou num dos melhores momentos de finger food que já experienciei, bom contraste de texturas, bom corte na carne e um excelente tempero. Muito bom!

Seguindo-se a estes “pequenos jogos” surge o inevitável pão, e a manteiga, ambos de excelente qualidade com a textura da manteiga (quase mousse) a merecer registo.

Seguiu-se, então, o verdadeiro início da degustação (o restaurante apresenta apenas 2 opções, o menu de 6 pratos e o de 11 pratos), com a harmonização a ser feita com sumos naturais, uma opção a ter cada vez mais em conta pelo fator surpresa e irreverência.

Třeboň catfish (peixe gato da região checa de Třeboň), endro e sementes de papoila

Um prato elegante e fresco, certeiro para um início de refeição. A conjugação do óleo de endro com o peixe cru (estilo Sashimi) e a textura dada pelos crocantes de trigo sarraceno e as sementes de papoila tornam o prato bastante interessante no palato, mais ainda quando conjugado com o creme que ocupa o fundo do prato (algo entre um iogurte e o crème fraîche produzido na casa).

Excelente também a combinação com o sumo de pepino a destacar ainda mais a frescura e notas herbáceas do prato.

Abóbora, natas e presunto de Praga

Um verdadeiro prato de Outono, com uma leve e fina sopa de abóbora de destacado sabor acompanhada de um “chantilly” feito com uma infusão de crocante de presunto de Praga. O Chantilly deu outra estrutura ao prato, além do jogo de temperaturas, adicionou textura e dimensão com o leve toque fumado do presunto a deixar-se perdurar na boca. Uma grande sopa.

A acompanhar esteve muito bem um sumo de bagas de sabugueiro.

Tomate, mostarda e levístico

Este terceiro prato foi para mim o mais arrebatador da noite, um prato que não esquecerei tão cedo, seja pela sua aparente simplicidade seja pelo seu sabor único. Uma mistura de vários tipos de tomate, com diferentes cocções, com destaque para a leve espuma de água de tomate. A ligar os vários tipos de tomate temos grão de mostarda que, além do seu sabor, adiciona textura e um brilhante gelado de mostarda tipo Dijon. O Levístico (folha de aparência algo semelhante à salsa ou coentro) adiciona mais algumas notas com o seu sabor que nos remete para o aipo. São pratos assim que me fazem ser vegetariano (por breves momentos)!

No copo mais um sumo muito bem preparado à base de bagas de espinheiro marítimo, cujas notas mais frescas funcionarem muito bem com o prato.

Beterraba, kefir de cabra e groselha

Beterraba desidratada e cozinhada de várias formas, apresentando uma série de texturas ao seu sabor doce a terra, bem conjugado com a frescura e acidez da neve de kefir (que adicionou também temperatura para estimular as papilas) e da groselha. Mais um prato irrepreensível !

Harmonizou muito bem com um sumo de cereja, cuja doçura natural funcionou muito bem com a beterraba.

Frango de Stepánovsko, cevadinha, raiz-forte e flores

Em termos de sabor e surpresa o prato principal ficou uns pontos abaixo dos seus antecessores. Apesar do delicado sabor do frango cozinhado em sous-vide e depois a passar pela chapa, e da boa preparação da cevadinha, o prato não nos deixa totalmente rendidos.

A acompanhar esteve um sumo fantástico feito com nozes, cujo sabor  se destacou e a vontade era trazer uma série de garrafas para casa.

Entrando no campo das sobremesas, optamos por partilhar as duas disponíveis, um Queijo e um Doce.

pré-sobremesa

Como não poderia faltar num menu de degustação, primeiro surge a pré-sobremesa, um Waffle, com creme de frutos secos, cacau e amora. Bons os sabores, especialmente do gelado que recheava os dois waffles, no entanto o prato perdeu pela textura do próprio waffle, demasiado seco e sem graça.

Blaťácké zlato e romadur, bagas de rowan

Mais um prato em que a raiz checa é bem visível, dois queijos da região à base de leite de vaca, levemente gratinados sobre bagas de rowan. Os queijos não surpreendem pelo seu sabor – é bastante leve até, mas a sua textura e a conjugação com as bagas foram uma excelente companhia para uma boa fatia de pão.

Harmonizou muito bem com um elegante sumo de groselha.

Batata, ameixa, pêssego e framboesas 

Uma excelente sobremesa que traz à memória a influência da cozinha nórdica com um dos clássicos do Noma em que a batata também se junta à ameixa para criar uma sobremesa. Doce quanto baste, os elementos cremosos ligam muito bem com a framboesa gelada e o creme tipo chantilly.

Um grande final melhorado ainda pela soda de framboesa que a acompanhou.

Com o final da refeição entregamo-nos completamente ao “teatro” montado na cozinha, onde iamos apreciando o trabalho e a coordenação exímia entre a sala e a cozinha.

Seguiu-se um ótimo e leve café filtrado com os habituais petit four, um saboroso e delicado marshmallow e uma mini-sobremesa, de ameixa com queijo e canela. Ambos deliciosos.

Marshmallow

Ameixa com canela e queijo 

 Não podendo falar sobre a carta de vinhos, e tendo em conta que fizemos, e bem, a harmonização com sumos, pareceu-me, pelos vinhos que fui vendo ser servidos nas outras mesas, que o trabalho do sommelier Roman Novotny se baseia em apresentar vinhos diferentes, de alta qualidade independentemente da sua localização geográfica. Destaque, como é óbvio, para uma larga selecção de cervejas artesanais, ou não estivéssemos nós na República Checa.

O Serviço de sala segue a mesma elegância da cozinha, servido com todo o domínio da técnica, sem a invasão e complicação do serviço clássico, criando uma boa atmosfera em consonância com a comida apresentada.

Um Brinde com Niepoort LBV 2011

No final do serviço houve ainda tempo de celebrar este magnífico jantar com um brinde à boa moda portuguesa, com um Vinho do Porto da Niepoort, o LBV 2011, que nos acompanhou até Praga, encantando quem o provou.

Considerações Finais
Se é certo que a cozinha do centro Europeu, e a Checa em particular, nunca gozou de grande fama, é certo também que este La Degustation e a cozinha de Oldřich Sahajdák existe para alterar esse paradigma. Uma cozinha Checa criada à imagem da influência nórdica, que ao contrário da vanguarda espanhola, não impôs técnicas e floreados, mas mais uma ideologia e uma outra forma de ver o mundo através da cozinha. Um respeito gigante pelos ingredientes locais, a raiz e memória do sabor. Foi sem dúvida uma grande experiência na nossa primeira noite na cidade, independentemente da sua estrela Michelin é um restaurante que deixa a sua marca em quem o visita e do qual certamente ouviremos falar no futuro.

Visita obrigatória para quem chega a Praga!

La Degustation Bohême Bourgeoise
Haštalská 18 – Praga
+420 222 311 234
boheme@ambi.cz

 English Version

Fotos: Flavors & Senses com a Sony A7S

Nota
Estivemos no La Degustation a convite do grupo Ambiente, sendo que isso em nada altera o nosso trabalho cuja opinião e o texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor. Vinho do Porto LBV 2011, gentilmente cedido pela Niepoort.

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