El Club Allard

Aproveitando uma escala em Madrid, depois de uma viagem pela Europa Central, decidimos experienciar (como já é habitual) o lado gastronómico da cidade. O que incluiu um pequeno almoço reforçado no Mercado de San Miguel, onde não faltou jamón, croquetas e pintxos, um passeio digestivo pela cidade e um almoço no restaurante El Club Allard.

Como o próprio nome indica, o restaurante nasceu como um club privado, tendo em 2003 aberto as suas portas ao público sob o comando de Diego Guerrero, o chef com o qual viriam a ganhar duas estrelas Michelin.

Nesta visita levamos conosco o Redoma Reserva Branco 2014 da Niepoort

Mas não foram as estrelas que nos fizeram optar por este restaurante (existem vários em Madrid com o mesmo galardão), o que nos despertou verdadeiramente o interesse foi a história de María Marte, a cozinheira que hoje lidera a cozinha do El Club Allard.

 María, uma jovem Domininica, chegou a Madrid no virar do século, em busca de uma vida melhor, agarrando-se a todos os trabalhos que pôde, desde as limpezas num salão de cabeleireiro, a lavar pratos na copa do El Club Allard. Tendo crescido e trabalhado toda a sua vida num pequeno restaurante de família, ficou fascinada com a beleza e magia de um restaurante de alta cozinha, sonhando poder um dia também ela estar à frente dos fogões.

Esse dia chegou, depois de algumas tentativas, quando surgiu uma vaga na cozinha e lhe foi dada a oportunidade de a ocupar desde que não deixasse o seu turno na copa. Assim fez, durante meses passou quase a totalidade do seu dia na cozinha, com um ou outro momento de descanso no pequeno vão das escadas. Mas a sua luta deu frutos e em pouco tempo assumiu um papel preponderante na cozinha, estando ao lado de Diego Guerrero quando este conquistou a 1ª e 2ª estrela Michelin, em 2006 e 2011 respectivamente.

Em 2013, com a inesperada saída de Guerrero, María assumiu a chefia total da cozinha, conseguindo a proeza de manter as estrelas (feito raro, especialmente quando poucos acreditavam na sua capacidade) e de moldar a cozinha à sua identidade, levando alguns ingredientes com os quais cresceu até à alta cozinha espanhola.

Uma história quase de conto de fadas que nos convenceu a marcar esta visita.

 O cartão comestível com que todos os comensais são recebidos na mesa, que acompanha uma leve e saborosa maionese de cebola caramelizada

Tendo sido um club privado, a atmosfera do restaurante vive ainda dessa origem, sem sinalética no exterior do edifício, com pequenas salas decoradas de uma forma minimalista com detalhes clássicos, onde sobressai o branco e os apontamentos dourados.

À chegada somos imediatamente recebidos por uma vasta brigada de sorriso no rosto e uma palavra amável que rapidamente tomou conta dos nossos pedidos e fez surgir na mesa a maionese de cebola caramelizada que iria acompanhar o “cartão” que decorava a mesa.

Seguiu-se uma deliciosa selecção de pães, com destaque para o pão de tomate e o brioche, acompanhados de um elegante azeite.

Por esta altura o escanção Javier Gila, testava e aprovava o Redoma Reserva 2014 que viria a acompanhar a maioria da refeição.

Enguia fumada, morangos, molho de coco, rocoto e amêndoa

Logo no primeiro snack do menu, María mostra as influências da América Latina, ao introduzir o pimento rocoto e o coco. O resultado foi uma excelente combinação de texturas e sabores, cuja frescura dos elementos acompanhou bem o lado mais delicado e fumado da enguia. Um ótimo início.

Shot de Peixe Manteigaespargos brancos e ikura 

Um prato mais próximo da vanguarda espanhola, com o caldo de peixe manteiga (do qual não sou propriamente apreciador) a funcionar muito bem com a espuma de espargos brancos, num interessante jogo Terra Mar. A explosão de mar dá-se ao provarmos a tosta que devíamos provar intercalada com o shot, à base de algas e ikura (ovas de salmão). Delicioso!

Cupcake de ovos  e trufa

Este cupcake é uma das principais assinaturas da última carta de María Marte, feito à base de mandioca, ovo de codorniz e uma espuma de espinafres com aroma de trufa. Na boca o resultado é uma explosão de untuosidade (que adoro) graças à gema de codorniz. Dispensaria facilmente o aroma a trufa.

Usuzukuri de Pargo vemelho, Mousse de pico de gallo , tomate e creme de espargo

Um prato que voa entre o Japão, e o México, desde o fino corte do peixe (usuzukuri) à mousse de pico de gallo, um preparado mexicano à base de cebola, tomate e coentros. Mais uma vez o resultado é um conjunto fresco, como se pretende para 1ª entrada, tecnicamente irrepreensível e cheio de sabor.

Arroz do Mar

O prato é descrito apenas dessa forma, cabendo ao comensal descobrir os seus ingredientes e o seu sabor. Bem, na realidade não se trata de arroz mas sim de lulas, cortadas de forma a assemelharem-se a arroz, e cozinhadas com o plâncton e as algas, desenvolvendo um sabor a mar único e irresistível. Curiosamente, o arroz surge no prato através dos pequenos crocantes em forma de concha que o acompanham. Muito, muito bom!

 Pato grelhado com falso milho doce

O encantador mini barbecue em que o prato é servido serve para fumar levemente o prato, trazendo até à mesa uma outra dimensão e aroma. Pato delicado, cozinhado no ponto, com um molho saboroso a fazer lembrar o típico modo de barbecue. Já milho é feito à base de milho peruano, moldado para se assemelhar a uma mini maçaroca. Mais uma boa combinação entre as origens da chef e os detalhes da alta cozinha.

Pregadoazeite de arbequina fumado e legumes

Um prato de aparência menos arrojada que as entradas, para dar início aos pratos principais, mostrando que também há espaço para respeitar os clássicos, como nos bons e velhos clubes privados. Pregado de elevado porte, com cocção irrepreensível, legumes baby bem preparados e torneados com um pil pil feito à base de azeite fumado de arbequina e a gelatina natural do pregado. O molho foi um ótimo veículo de ligação entre todos os elementos.

Até aqui a refeição foi acompanhada, como já havíamos dito, pelo magnífico branco do Douro, Redoma Reserva 2014 da Niepoort. Um vinho de aromas complexos, com uma fantástica integração da madeira e uma boca fresca e mineral com uma acidez e uma elegância únicas, pelo que lhe permitiu acompanhar muito bem os pratos mais leves e frescos do menu. Mais uma prova de que 2014 foi um ano ótimo para os brancos do Douro.

Pá de cordeiroquiabo, e gnocchi de tâmara

Carne saborosa e preparada no ponto certo, húmida e suculenta, com um aprumado molho do assado. A acompanhar esteve muito bem a doçura das tâmaras, a textura dos quiabos e a frescura do molho de iogurte que finalizava o prato. Um prato clássico, muito bem preparado.

A harmonizar a escolha de Javier Gila esteve um outro Douro, mais propriamente um tinto da Ribera del Duero, um Viña Pedrosa Criança 2012. Um 100% Tempranillo, que é como quem diz por cá, Tinta Roriz ou Aragonês, cuja potência e elegância fizeram um ótimo pairing.

Hibisco e pisco sour 

Para pré sobremesa surge mais um dos pratos que são já a assinatura da chef, uma flor de hibiscos com espuma de pisco sour e um crumble de pistácio. Um brilhante limpa palatos com um bom contraste entre acidez e doçura numa bonita homenagem às origens de María.

Pera e Abacaxi 

Para primeira sobremesa surge algo ao meu estilo, pouco doce, leve e fresca. Um pequeno bombom recheado  com pera e abacaxi, numa explosão de cremosidade e sabor e uma pequena french Toast com espuma de iogurte, igualmente apaladada. Muito bom!

elcluballard - 16
Pedras de Chocolate

Pedras de chocolate, esponja de menta, gelado de pimenta e pão de azeite, são elementos desta última sobremesa em que todos funcionam muito bem individualmente, cujos sabores também se poderiam conjugar, mas aos quais falta um elo de ligação, nomeadamente um creme ou um líquido, uma vez que o gelado não consegue desempenhar na perfeição esse papel.

Petit fours

Para finalizar uma já longa refeição, uma delicada infusão acompanhada dos petit fours, apresentados em forma de quadro escolar, onde nos é permitido brincar com o giz de laranja enquanto saboreamos as letras de gengibre ou as bolachas com yuzu. Um Final que desponta sorrisos em todos os comensais.

O serviço de sala roçou a perfeição, com a delicadeza necessária, a formalidade mesclada com a descontração nos momentos certos e um conhecimento certeiro de todo o menu. De facto as estrelas não surgem por acaso e o serviço de sala tantas vezes relegado assume um papel preponderante na experiência do cliente.

Considerações Finais 
Saímos do El Club Allard com a sensação de que de facto María Marte é muito mais do que uma história real de “conto de fadas”, que a sua luta e o seu reconhecimento são de facto mais do que merecidos quando analisamos aquilo que põe em cada prato. E é nos pratos que vemos a sua identidade, em quase todos encontramos um ingrediente ou elemento que nos transportam para as suas origens e para a cozinha latina. Os seus menus apresentam uma boa conjugação entre técnicas mais inovadoras e as cocções mais clássicas que surgiram nos pratos principais, numa fusão que assenta bem na imagem do restaurante. Pratos com poucos elementos em que é permitido a todos brilharem à sua maneira sem adulterações de sabor.

Assim, o El Club Allard entra no restrito grupo dos melhores restaurantes de Madrid (a concorrência é muita, e boa) com a única mulher distinguida com duas estrelas e uma história que vale a pena conhecer à mesa, através de um serviço dedicado e sabores vibrantes. Até à Próxima!

El Club Allard
C/ Ferraz, 2 – Madrid – Espanha
+ 34 91 542 95 89
reservas@elcluballard.com

 English Version

 Fotos: Flavors & Senses com a Sony A7S

Nota
Redoma Reserva 2014, gentilmente cedido pela Niepoort.

No Comments Yet

Leave a Reply

Your email address will not be published.