Metamorfosi

Roma é uma cidade clássica, monumental e histórica, onde, e apesar do bulício de ser uma espécie de parque de diversões turístico, o seu povo mantém bem patente o passado, o respeito pelas tradições e continua, em certas áreas, nomeadamente na gastronomia, a ver a mudança e a modernidade com um olhar sisudo e severo.

É uma cidade onde é fácil encontrar grandes restaurantes com pratos emblemáticos e bem enraizados na cultura romana, simples, e baseados unicamente na qualidade do produto. No entanto, quando olhamos para a alta gastronomia a escolha torna-se um pouco mais complicada, são vários os restaurantes estrelados, é certo, mas na sua grande maioria todos eles são demasiado clássicos sem grandes momentos de irreverência e de choque cultural como já acontece noutros restaurantes bem conhecidos de Itália.

Ainda assim existe uma excepção, o Metamorfosi, nascido num dos mais clássicos e burgueses bairros da cidade pela mão de Roy Caceres, um colombiano que cedo chegou a Itália para cozinhar, tendo passado pelo Il Pelicano, Locanda Solarola e  Pipero antes de em 2010 se aventurar em nome próprio.

O restaurante, recentemente remodelado é uma lufada de ar fresco no panorama da cidade, recriado com uma certa influência japonesa, onde menos é mais, com uma decoração minimalista e o uso da madeira e uma espécie de biombos para criar espaços mais acolhedores e intimistas na sala.

Cracker de Azeite e sal

As boas vindas não se fazem esperar e os snacks começam a surgir na mesa a bom ritmo, começando por uns interessantes crackers de azeite e sal e um cocktail à base de Vodka, Tequilla, manjericão gengibre, cardomomo, lima kaffir e figos da Índia.

cocktail

Pão crocante de sementes, peixe marinado e creme de caril

Seguiu-se um pão crocante de sementes com peixe marinado e um creme de caril, um snack de interessantes contrastes de sabor e texturas, onde o creme de caril eleva a fasquia. Passamos de seguida para umas Pontas de chicória com  maionese de anchova e pó de sésamo, delicadas, crunchy e repletas de sabor.

Pontas de chicória com  maionese de anchova e pó de sésamo

Para que não fiquem dúvidas sobre as origens do chef, eis que surgem umas deliciosas e pecaminosas Arepas recheadas com carne. Perfeitas aliás!

Arepas recheadas com carne

Aipo crocante, mexilhões, espuma de batata e sal negro e manjerona, onde e infelizmente, apesar das interessantes texturas o sabor delicado do mexilhão ficou completamente perdido no conjunto.

Após um interessante começo e uma subida a pique das expectativas fazemos uma pausa, mas não uma pausa qualquer, uma quebra para que surja na mesa o pão, que aqui tem direito a um momento específico e por uma boa causa. O pão criado pelo sub chef  sueco John Regefalk, que se apaixonou pela arte da padaria durante a sua passagem pelo Noma.

O lado aromático, o bom nível de hidratação e uma excelente crosta fazem deste pão o melhor que já provamos em Itália. No acompanhamento, aquilo que parece manteiga tratava-se na realidade de um interessante sorbet de azeite que proporcionou ainda um bom contraste de temperaturas com o pão.

Taco de Atum e ervas 
Um regresso à América latina com um inspirado Taco, em que a tortilha é substituída por folhas de várias plantas e ervas. Um prato leve, elegante, que leva muito bem a street food até ao fine dining, elevando a fasquia e os sabores. Por outro lado o prato mostra muito bem a identidade de Roy Caceres que se veio a mostrar ao longo de todo o menu, com um recurso exímio às ervas frescas e ao contraste entre a frescura vegetal e os demais sabores e texturas.

Depois do Cocktail seguiu-se um Riesling Fritz Haag,  Trocken de 2015, um vinho fácil e sem grande complexidade que conquista pela sua boa acidez e as notas de fruta tropical e citrinos. Uma boa harmonização!

 Carbonara
Um prato que nos lembra bem o país em que estamos, com uma reinterpretação muito bem conseguida. Sem recurso a pasta de nenhum tipo, o prato vive do bom ovo cozinhado a baixa temperatura, do guanciale, da combinação de parmegiano e pecorino e dos crocantes torresmos que nos transportam de imediato para o sabor confortável do clássico romano. Muito bem conseguido!

No copo viajamos também por Itália, mais propriamente à região da Umbria, com um Chardonnay Bramìto de 2015 de Castello della Sala, um branco interessante e de grande potencial, com um elegante tom e um nariz aperitivo e complexo com notas tropicais, citrinos e alguma baunilha. Na boca a sua estrutura e acidez revelam uma ótima frescura que cortou muito bem com a untuosidade do prato.

Anti Pasta
O nome acaba por dizer quase tudo, um prato de pasta que na realidade não o é! Para criar uma espécie de linguini, o chef usa um caldo de peixe que é desidratado cortado e novamente hidratado, ganhando uma grande intensidade de sabor e uma textura próxima de uma massa fina de arroz. O prato cresce ainda com a adição de um molho feito com cabeças de camarão,  lulas, camarões e um gel de limão que juntamente com o pó de ervas lhe traz a frescura que o chef procura pôr em todos os pratos. Muito bom!

Para a harmonizar, a escolha recaiu sobre um rosé da Toscana, Bibbona SOF 2015 da Tenuta Campo di Sasso, inspirado nos vinhos da Provença, com notas de morango, romã, groselha e umas certas nuances de balsâmico. Na boca revelou-se menos exuberante mas a sua acidez e elegância permitiram que os sabores marítimos do prato sobressaíssem.

 

Risotto de Cogumelos, avelã caramelizada, queijo robiola 
Outro clássico italiano escondido numa espécie de tambor japonês, com uma capa feita de cebola e cogumelos secos que derrete ao colocarem o creme de queijo Robiola. Quanto ao risotto em si, foi o prato mais clássico e confortável do menu, feito com grande rigor e rico em sabor e textura. Com umas lascas de trufa seria garantidamente inesquecível!

A acompanhar e em grande nível esteve um Verduzzo 2012 da Bressan, de nariz amplo e fresco apesar das notas de mel, alperce, pêssego ou pera. Na boca a sua estrutura e persistência tornou-o uma ótima companhia para as texturas e sabores do risotto.

Wagyu, molho de cebola e menta com Beringela, molho satay e ervas
Prato e acompanhamento servidos e empratados em separado, que mais uma vez demonstra com exactidão a personalidade gastronómica do chef e a sua busca pela frescura e os contrastes de sabor e textura feitos com grande elegância. Carne de altíssima qualidade, molho a remeter para um barbecue muito mais leve e fresco, com o acompanhamento a trazer-nos notas de terra e alguma dimensão com o molho satay. Um grande, grande prato!

Com a carne passou-se ao Tinto, com um vinho siciliano Palari Faro da Azienda Agricola Palari de 2010. Um bonito vinho, leve de cor, complexo no aroma, surpreendentemente elegante para um vinho da Sicília, com excelentes taninos e presença na boca.

Lollypop de queijo azul e chocolate branco, gel de vinho do Porto
Um clássico do metamorfosi, que serve também de pré sobremesa, e nos traz à mesa um elemento Português que tanto apreciamos, o vinho do Porto, neste caso num gel feito com o LBV da Quinta do Noval. Quanto ao prato, excelente equilíbrio na doçura e na combinação do queijo com o chocolate. Delicioso!

Floresta Negra
Uma versão do clássico bolo, com mascarpone, chocolate negro fermentado com maracujá, crumble de chocolate, ervas e gel de frutos vermelhos. Sabores e conjugações interessantes, com destaque para o chocolate fermentado, resultando num final fresco e leve como pedia um menu já longo.

Já no copo, terminou-se com um Favinia Passulé 2012, um Late Harvest produzido na Sícilia, de cor dourada e nuances de mel, com o nariz a transmitir-nos notas clássicas de figo, casca de laranja e tâmaras e frutos secos, surpreende com a presença de aromas a ervas aromáticas, transmitindo-lhe maior frescura. Na boca revele-se doce na medida certa, com poder e delicadeza onde a fruta ganha destaque. Quanto ao Pairing, é certo que preferiria um vinho do Porto, mas este não desiludiu.

petit fours

Para terminar não faltaram os petit four, apresentados a bom nível com destaque para o bolo de limão com baunilha e groselha. 

O serviço de sala merece também uma nota de destaque por si só, por se ter mostrado, também ele, um nível acima da maioria dos restaurantes com 1 estrela Michelin na Itália. Calmo, sereno, presente no momento certo, com inglês perceptível (coisa que também é rara!) e com um bom conhecimento do menu.

Considerações Finais 
É bom quando entramos em espaços que quebram as regras clássicas e que rapidamente superam as expectativas que levamos quando entramos pela porta, e esse é o caso deste Metamorfosi. Um restaurante que poderia ter tudo para não ser bem aceite numa cidade como Roma, mas que acaba por ter tudo o que é necessário para se tornar num dos grandes destaques da cidade e do País.

A cozinha de Roy Caceres revela detalhes de aprimorada subtileza e elegância, com uma procura constante pela leveza e frescura, acabando por ser esse o elemento comum a todo o menu, desde os pratos inspirados na sua América Latina aos clássicos italianos que servem de base a algumas das suas criações mais arrojadas.

Um restaurante obrigatório para quem visita Roma!

Metamorfosi
Menus a partir de 100€
Via Giovanni Antonelli, 30 –  Roma
+39 068 07 68 39
info@metamorfosiroma.it

English Version

Fotos: Flavors & Senses

Nota
Estivemos no Metamorfosi a convite, sendo que isso em nada altera o nosso trabalho cuja opinião e o texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor.

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