Numa altura em que as cartas de amor foram trocadas por emails e mensagens rápidas (eficazes é certo), mas sem o romantismo e simbolismo das “velhas” cartas, e em que os correios servem apenas para contas, publicidade e certificados, felizmente ainda existem histórias de amor a passar pelo posto!
Uma delas é a de uma antiga mercearia/taberna, que servia também de posto dos Correios no bonito Largo do Ouro, transformado entretanto em restaurante – O Carteiro, e de Hélder Sousa, um vizinho que decidiu passar de cliente habitual a proprietário!
Hélder é um homem das Artes e do Teatro, e com um certo jeito descontraído lá nasceu o Antigo Carteiro, numa forma de respeitar a tradição e o espaço pelo qual se tinha apaixonado.
Conhecendo eu o espaço desde o início, e sabendo os altos e baixos com que o Hélder foi aprendendo sobre a restauração (ainda existem quem ache que é um negócio simples e fácil) é bom ver a paixão ainda esbatida no seu rosto, e claro a evolução de um espaço e de um conceito “fora da caixa”.
Por falar em conceito, podemos dizer que o Hélder é um freak, um daqueles freaks com ideias um tanto ou quanto loucas, por isso n’ O Antigo Carteiro o lema é comida dos Pés à Cabeça, literalmente falando, e se for possível com um toque “javardo” e emoções fortes e sexuais!
Mas passemos à nossa visita, antes que tenha de colocar um aviso para maiores de 18 no início do artigo! O espaço mantém a traça original, com aspecto de uma tasca recuperada e simplesmente decorada, com umas cadeiras de madeira vermelhas a contrastar com a calma das paredes. Não falta, também, uma esplanada que no Verão se transforma numa sala frenética de bom ambiente.
Já instalados, começamos por uma boa broa, azeite e uma maionese de alho, leve e saborosa.
Não poderia haver melhor forma de começar a refeição, de acordo com o conceito do espaço, do que com a língua, cozida no ponto e fatiada como um carpaccio. Nota alta para o bom tempero, e o contraste criado pelo gengibre e as zestes de lima, dando maior frescura à entrada.
Cogumelos Portobello, farinheira (8€)
Conjunto untuoso e bem conseguido, com os cogumelos no ponto e bem envolvidos com a farinheira, que dá ao conjunto uma doçura interessante e bem equilibrada com o picante e amargor dos agriões. Mais uma boa entrada.
Arroz de Enchidos, Bochecha de vitela (14€)
Para aquecer o estômago antes do prato principal, pedimos um arroz de enchidos, acompanhado com bochechas, previamente divido para ser partilhado entre os comensais. Carne deliciosa, húmida e com a textura que se pede de uma bochecha. Arroz caldoso e saboroso com grelos e enchidos, mas onde se pedia uma intensidade maior no sabor a fumeiro, ou não fosse essa a principal identidade do prato.
Rabo de Boi, esmagada de batata e legumes (16€)
Para prato principal partilhou-se o rabo de boi, mais um prato que respira a identidade do restaurante, com o rabo bem preparado e temperado, literalmente a separar-se do osso. Com um acompanhamento simples que permite à carne brilhar por si só e num bom contraste com o agrião, que parece ser também ele um dos ingredientes fetiche da carta.
Gelados Artesanais, Bacon e alecrim e Amora e aneto (3€ cada)
Os gelados, como não poderia deixar de ser, vivem da mesma imagem que a casa, com combinações algo javardas como a de alecrim com bacon caramelizado, que no fim acaba por funcionar ( a Cíntia diria que com bacon tudo funciona!) e feitos à bruta, sem máquina, maltodextrina ou estabilizadores. Ainda assim, preferi o de Amora, mais fresco e menos doce, que é para mim o defeito maior destes gelados, o excesso de açúcar, mas sim, estão no ponto para um bom glutão sem diabetes!
A carta de vinhos, não sendo extensa, procura também ela respeitar aquele lado freak do restaurante, pelo que não faltam opções menos comuns e novos produtores com vinhos e imagens irreverentes. A nossa refeição foi acompanhada, e muito bem, pelos vinhos Alentejanos da Herdade do Arrepiado Velho.
O serviço de sala é agora comandado pelo Hélder, que intercala pratos com conversa de cicerone, simpatia e muita, muita diversão, com um staff que respira também ele a sua imagem e identidade descontraída, mas com a barba e o cabelo mais aprumadinhos! É difícil não transparecer alegria quando ouvimos a forma como Hélder nos conta as suas história e apresenta os pratos com emoções e linguagens fortes, como se de um momento cénico se tratasse.
Considerações Finais
Vendo o momento que hoje se passa n’ O Antigo Carteiro é caso para dizer que o restaurante renasceu, fruto da vontade e perseverança de um proprietário, e também de um novo cozinheiro, o jovem Rui Oliveira, que respira também ele o conceito tão próprio do restaurante. Não é certamente um espaço consensual, seja pelo uso de ingredientes muitas vezes ignorados, seja pela descontração com que se vive o espaço. Os pratos transmitem sensações e sabores fortes, pelo que lhes é permitido apresentar pequenos erros aqui e ali.
Para quem se revê num espaço contra a corrente e longe do buliço da baixa é certamente um porto de abrigo. Um local de encontro de amigos, que não pretendem ser surpreendidos pela comida ou pelas criativas combinações de um chef, mas sim reconfortados por pratos calorosos e de cariz familiar, enquanto apreciam um bom momento do seu tempo, sem pressas e com emoções, como nos bons velhos tempos de uma carta de amor!
O Antigo Carteiro
Rua Senhor da Boa Morte, 55 – Porto
937317523
oantigocarteiro@gmail.com
Fotos: Flavors & Senses
Nota
Estivemos n’ O Antigo Carteiro com um voucher da Zomato, sendo que isso em nada altera o nosso trabalho cuja opinião e o texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor.
Quantas delícias!! beijinhos!