Em 2013, numa zona pouco afamada do 1º Distrito de Viena, Alexander Konstantin Filippou e a sua mulher decidiram abrir um restaurante com a sua própria identidade e que revelasse um outro lado do fine dining até então inexistente na cidade. O nome do chef Austríaco, filho de pai Grego e mãe Austríaca, serviu para dar nome ao restaurante, num gesto bem conseguido de se mostrar e de convidar os seus comensais a conhecê-lo através da sua cozinha.
A sua história é feita de grandes aprendizagens, tendo dentro de si a influência do rigor e da técnica da Europa Central em sinergia com a paixão pelo produto e a simplicidade da cozinha das suas origens mediterrâneas. Passou pelos melhores restaurantes de Viena, como o Steirereck, de Londres, como o Gordon Ramsay e o Le Gavroche e do País Basco, como o Arzak.
Ao entrar no restaurante facilmente percebemos a sua intenção de quebrar com as etiquetas do fine dining tradicional, a decoração é clean e o mais minimalista possível, sobre as mesas não há toalhas nem grandes candelabros, a sala está despida de caracterizações, centrando a atenção no pequeno balcão onde são finalizados vários dos pratos servidos, nas janelas com vista para a cozinha e acima de tudo, no prato que nos é colocado à frente.
Já conforavelmente instalados somos recebidos mais uma vez por um excelente pão (é sempre um bom sinal) e uma manteiga aromatizada com cebola caramelizada – a melhor que provamos durante esta viagem.
Seguiram-se os habituais snacks, em jeito de amuse bouche, Pomme Souffle com salmão e cebolinho, um Taco de tinta de choco com tártaro de peixe e ovas de salmão, e para confirmar as origens gregas do chef uma Folha de videira recheada com arroz. Todos saborosos e bem preparados, mas tenho de destacar a técnica e subtileza da pomme souflle e a frescura do taco.
Dado início às “festividades” partimos para o menu de 6 pratos, sendo que provamos dois menus distintos pelo que desta forma provamos todos os pratos de Konstantin Filippou!
Lagostim, couve flor, crumble e caviar de truta do ártico
O prato de lagostim foi divido em dois serviços, primeiro com as suas ovas e em jeito de tártaro com duas texturas de couve flor, sendo o creme o elemento de ligação. Um prato esteticamente bem conseguido e repleto de sabor!
Lagostim, limão, pinhões e molho de crustáceos
No 2º Serviço o corpo do lagostim, cozinhado de forma irrepreensível, suculento e com a sua doçura natural a sobresair. Muito bem acompanhado pelo delicado e saboroso molho de crustáceos, a frescura do limão e as notas mais terrestres do pinhão. Um grande início!
A harmonizar esteve um branco da região do Loire, um Anjou Blanc Fragile de 2013, 100% Chenin Blanc. Um vinho de agricultura natural, com aromas a maça e flores brancas cujo perfume e leveza do palato funcionou muito bem com o Lagostim.
Fígado de Pato, Isabel (casta de uva) e beterraba
Estes dois pequenos cilindros, aos quais a foto não faz justiça, demonstraram bem o carácter técnico da cozinha do chef, assim como a sua intenção de causar surpresa nos comensais. Recheando um fino cilindro de beterraba temos um foie de pato, um doce e alguns elementos que ajudam na textura, como a folha de isabel. Texturalmente um dos melhores pratos de foie que já provei, no palato uma delicada conjugação entre as notas de terra, o doce e a gordura que explode na boca. Delicioso!
No copo esteve um Riesling da Alsácia, o Grittermatte 2012 de Julien Mayer. Um vinho de produção bio dinâmica, com boa fruta e uma acidez e mineralidade que equilibraram bem com o conjunto.
Brandade de Bacalhau, caviar de esturjão
Uma brandade mais elegante e cremosa, com recurso ao sifão, mas com o sabor do peixe bem marcado e conjugado com o açafrão e intensificado pelo caviar que leva as notas de mar para um outro nível. Simples e pecaminoso!
Para este prato provou-se outro vinho do Loire, desta feita um Sancerre Blanc Le Tournebride 2014 de Vincent Gaudry. Boas notas de maracujá e excelente mineralidade.
Cavala da Bretanha, crumble de anchova, Txogitxu, pickle de pepino
Mais uma vez um bom jogo de texturas e sabores, com contraste terra/mar a funcionar muito bem entre a cavala e a carne de txogitxu. Nota alta para o pickle, o crumble de anchovas e o molho de rábano picante, cuja acidez, as notas salgadas e o picante elevam o prato outros níveis. Muito bom.
No copo esteve um ótimo Roter Traminer 2011 da Tauss.
Barriga de Porco, Ostra de Gillardeau, kimchi e rábano
Mais um prato de apresentação cuidada e extremo rigor técnico. As texturas tem outra vez um papel preponderante, desde o torresmo aos legumes e à própria ostra. Mais um bom contraste terra/mar em que todos os elementos se fundiram harmoniosamente. Excelente molho.
Este prato fez-se acompanhar, e muito bem, de um vinho de Languedoc-Roussillon, um Canta Mañana 2014 de Le Casot Des Mailoles.
Camarão vermelho, molejas, gengibre e cenoura
Os pratos de contraste terra/mar pareceram-me o território que Konstantin mais gosta de explorar, e este prato não foi excepção. Brilhante o contraste entre a delicadeza e doçura do camarão com as molejas, num conjunto bem ligado pelas texturas de cenoura e as notas do gengibre.
Para harmonizar, o camarão teve a companhia de mais um vinho de produção biológica, um branco da Borgonha, o Vézelay La Piècette 2013 do Domaine De La Soeur Cadette. Mais uma combinação irrepreensível.
Vieiras, cantarelos, tupinambo, ameixa e trufa branca
Se a combinação de Vieiras e cogumelos já não surpreende, as técnicas usadas, as texturas e o recurso à trufa branca alteram toda essa forma de ver um prato. Ótima a cocção da vieira, o aroma único da trufa, a ligação com o delicado molho de cogumelos e o ligeiro travo doce da ameixa.
Para fazer jus a um grande prato a harmonização não poderia ser melhor, um branco do Loire de 2013, o Les Saules Cour-Cheverny do Domain du Moulin. Um vinho que combina muito bem nuances vegetais e florais e que na boca revela uma mineralidade excelente com um ligeiro salgado que funcionou bem com o prato.
Lavagante Azul, ovo, ouriço do mar e raíz de cerefólio
Mais uma explosão de mar e de ingredientes de 1ªa classe. Lavagante suculento e delicado que conjugado com o ouriço do mar levam-nos a um mergulho no oceano. A gema de ovo dá ao prato uma untuosidade única, servido também como elo de ligação entre todos os elementos. A raíz de cerefólio dá aquele toque de terra a que Konstantin nos foi habituando ao longo do menu. Delicioso!
No copo tivemos um L’Original 2013 da Clos de L’Origine em Roussillion. Um vinho natural cuja estrutura e acidez conjugaram bem com o ovo e os sabores do mar.
Pombo de Mieral, Amêndoa, Aipo, Marmelo
Mais um prato servido a dois tempos: 1º os fígados cozinhados num molho intenso e saboroso e no 2º o peito e a coxa de pombo com duas cocções distintas, um molho soberbo da própria confecção e uma ótima e invulgar conjugação entre a amêndoa e o marmelo, com o aipo a dar alguma frescura ao conjunto. Um verdadeiro prato de Outono!
A harmonizar esteve um Morgon 2013, de G. Descombes. Um vinho 100% Gamay, de cor intensa e um nariz com vincadas notas de framboesa na boca. A frescura da fruta foi o mais evidente.
Presa de Porco Ibérico, Morcela, milho, Queijo e Kumquat
A presa foi cozinhada a baixa temperatura e montada em fatias como uma terrina. Os acompanhamentos conjugaram muito bem com o prato, em especial a frescura do kumquat, o molho de queijo de cabra e o finíssimo, e tecnicamente perfeito, crocante de focinho de porco. Um grande prato, quer a nível técnico, quer de sabor!
Aqui a harmonização surgiu após o nosso desafio ao escanção de harmonizar um dos pratos do menu com o Redoma Tinto de 2013 da Niepoort (os vinhos que nos acompanharam nesta viagem pela Europa Central). A princípio houve alguma reticência por parte do escanção por julgar que, pelo que conhecia dos vinhos do Douro e a sua concentração e estrutura, não teria nenhum prato no menu que o acompanhasse bem, no entanto, depois de provado o vinho e vistas as diferenças entre o Redoma e um Douro clássico, a escolha foi óbvia e recaiu, e bem, sobre este porco ibérico.
O Redoma 2013 é ainda mais elegante que os seus antecessores, uma característica dos vinhos do Douro de 2013, levada ao extremo pela Niepoort, na busca por uma maior elegância e menor extração. Um vinho que mostra o Douro no nariz com uma boa mineralidade e uma profundidade que se vai descobrindo na boca em conjunto com uma excelente acidez.
Iogurte, endro, alcaçuz e pêssego
Em jeito de pré-sobremesa, um conjunto leve e refrescante elevado pelas notas do molho de endro.
No copo esteve um espumante natural de Judith Beck, o Pet-Nat Bambule 2014.
Maracujá, Banana, Xerez e Coco
A tendência, quando se tem uma refeição que roça a perfeita harmonia entre sabor e técnica, é esperar que as sobremesas estejam um ponto ou outro abaixo dos pratos principais, mas não foi o caso neste Konstantin Filippou, em que a frescura e elegância das sobremesas se reveleram o final ideal para esta refeição. Aqui um merengue de coco, com gelado de banana e xerez, com um crispy de chocolate branco e nougat e um molho de maracujá e baunilha. Uma deliciosa combinação de frutos tropicais, num bom jogo de texturas e sabores, doce na medida certa.
Para esta sobremesa bebeu-se um Apertif Finum de Andreas Gsellmann.
Para finalizar uma, já de si, longa refeição, surge uma sobremesa leve de inspiração outonal, com destaque para o amaranto, os frutos vermelhos desidratados, o creme de Mascarpone e um ótimo gelado de amêndoa. Grande Final!
Terminamos assim com um vinho doce francês, o Banyuls 2013 de M. Chapoutier.
O Serviço de sala mantém a informalidade da imagem do restaurante, mas com um impressionante foco no detalhe e na qualidade do serviço sem deixar nenhum pormenor passar em falso. Destaque ainda para o bom trabalho do escanção a harmonizar todos os pratos com uma alargada selecção de vinhos de produção biológica, com uma seleção de pequenos vignerons e vinhos “fora da caixa”.
A comida mostrou bem as influências de Konstantin, o seu lado Austríaco, dominado pelo rigor e a técnica misturada pelos sabores suaves e delicados da cozinha mediterrânea.
Considerações Finais
Depois de provados todos os pratos que compõem os dois menus disponíveis ao jantar saímos com a certeza de que o prémio GaultMillau de Chef do Ano tinha sido mais do que bem entregue a Konstantin e que a estrela Michelin que ostenta é ainda um veredicto muito curto para a qualidade que oferecem, não duvido que fará brevemente companhia ao Steirereck e ao Silvio Nickol nas duas estrelas e que o World’s 50 Best Restaurants venha a reconhecer o mérito deste espaço e deste chef. O menu é certo que teve uns pratos melhores e mais interessantes do que outros, mas não houve falhas, nem de cocção nem de composição, e em 2 menus distintos isso é difícil de conseguir.
Uma das melhores refeições de 2015 e uma das melhores dos últimos anos.
Ps: No final presenteamos o chef e a sua equipa com um Senior Tawny da Niepoort para que pudessem brindar ao seu exímio serviço.
Restaurant Konstantin Filippou
Menus a partir de 68€
Dominikanerbastei, 17 – Viena
+43 (0)1 51 22 229
restaurant@konstantinfilippou.com
Fotos: Flavors & Senses com a Sony A7S
Nota
– Estivemos no Konstantin Filippou a convite do Grupo, sendo que isso em nada altera o nosso trabalho cuja opinião e o texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor.
– Vinhos Niepoort, Porto Senior Tawny e Redoma Tinto 2013 gentilmente cedidos pela Niepoort Vinhos.
Fantástico João! fotos belíssimas, mas mais do que isso… conhecimento na descrição dos pratos. Adorei!
Obrigado Rita,
É sempre ótimo ler as tuas palavras! Foi de facto uma grande refeição!
Obrigado,