Sobre o maravilhoso hotel que nos serviu de refugiu numa curta visita a Cortona pouco haverá a ser dito que não tenha sido descrito pela Cíntia no seu último artigo (ver). Pelo que vamos debruçar-nos sobre o restaurante estrelado deste clássico Relais & Chateaux.
Quando Silvia, nascida numa família de restauranteurs e cozinheira de formação, decidiu juntamente com o seu marido Ricardo recuperar para da antiga casa de família para lá instalar um restaurante, estava longe de adivinhar a repercussão que essa mesma abertura viria a ter.
A Silvia juntou-se Richard Titi, chef executivo, que num exercício raro de partilha e cooperação comanda os fogões do restaurante desde a conquista da primeira estrela Michelin em 2002. Ao restaurante, por seu lado, juntou-se um hotel, uma adega, uma marca de vinhos e um marco na vida das pessoas que visitam aquele refúgio “Sob o sol da Toscana”
A visão de Silvia é apostar na cozinha toscana e em particular da região de Abruzzo, com ingredientes locais aliados a um refinamento técnico numa apurada combinação de comida de conforto e fine dining.
Mas passemos à nossa experiência, chegados à sala – infelizmente já não estávamos em tempo de poder jantar no encantador jardim – somos surpreendidos por um magnífico teto e as pinturas que tão bem representam a história arquitectónica da Toscana.
Já na mesa, ampla e confortável, somos confortados com uma lista improvável, a carta de águas, uma ampla selecção de águas italianas e estrangeiras, naturais ou com gás, com opções para todos os gostos e feitios.
Segue-se uma ampla selecção de pães, com focaccia de tomate, pão de azeitona ou pão de espinafres para citar alguns – Destaque para a focaccia e para o ótimo azeite que produzem na quinta.
Como boas vindas do chef, surgiu na mesa um creme de avelã com pão tostado e um creme de queijo pecorino acompanhado de um copo do espumante bruto 100% Trebbiano de 2013 produzido pelos Baracchi.
Depois de um bom início seguimos para uma viagem pelo menu de degustação intitulado de “Diário do caçador”.
Terrina de caça, abóbora, pão de rosmaninho e couve rocha
Terrina de sabor e textura correcta com um bom equilíbrio criado pela doçura da abóbora e e o kick de sabor da roma e da alcaparra. Uma entrada que sem surpreende consegue cumprir as suas funções numa interessante combinação de texturas e sabores.
Sopa de cogumelos, ovo e trufas
Uma leve e reconfortante sopa de cogumelos, elevada pela adição de ovos mexidos e trufas de verão. Um prato simples e reconfortante, que vence pela combinação clássica de ingredientes e o tempero afino. Deliciosa!
Deixamos o espumante e passamos a um branco do produtor, o Astore 2015, também ele produzido com uvas Trebbiano. Um vinho de grande estrutura e corpo, fruto do estágio (sur lies), com notas que fluem entre os cítricos, a fruta de polpa branca e as flores. A sua intensidade e final longo fizeram uma ótima parelha com a sopa e os seus sabores e aromas.
Pici, ragù de javali e vinho syrah
Este foi o prato da noite – mais uma vez inspirado nas tradições da região toscana, primeiro pelo uso do Pici – um tipo de pasta grosso e artesanal, e em segundo pela utilização do javali como proteína. Um prato que nos traz tudo o que faz o sucesso da cozinha italiana, aliado ao refinado apuro técnico do fine dining, massa no ponto, um ragu incrível e em tudo elevado pelo delicado molho de vinho tinto syrah com notas de baga de zimbro. Um grande prato!
No copo esteve um Baracchi Smeriglio 2013, 100% Syrah, um vinho robusto, cheio de fruta madura, especiarias e terra molhada. Na boca fez bem a ligação com prato, muito por culpa do molho de syrah e estrutura do ragù. Um belo vinho!
Faisão recheado com Finocchiona e batata e brócolos
À primeira vista, o faisão aparentava estar para lá do ponto, mas era apenas isso mesmo uma aparência, um ótimo e muito bem conseguido recheio, em que a finocchina (tipo de salsicha/enchido italiano) traz à carne de faisão mais untuosidade e sabor. Excelente também o molho com o acompanhamento a ser o elemento menos interessante do prato.
Para harmonizar, a escolha recaiu sobre, imagine-se só, mais um Baracchi, desta vez com um Ardito 2011, produzido com Syrah e Cabernet Sauvignon. Um topo de gama complexo, rico, profundo e concentrado, repleto de fruta escura e bem madura, equilibrada pelas notas de pimenta e tabaco. Um vinho que poderia facilmente sobrepor-se à delicadeza do prato não fossem as dimensões e sabor do recheio aumentar toda a estrutura do prato.
Seguiram-se os petit fours, que à boa maneira italiana surgem na mesa antes da sobremesa, numa louca, mas “saudável” combinação de doces clássicos, onde não faltaram os ótimos cantucci, as mousses, o tiramisu e até as castanhas assadas, tão habituais no início do Outono.
Mil folhas de Castanha, folha de louro e dióspiro
Uma massa folhada que foge do registo francês, doce quanto baste e bem crocante, muito bem acompanhada de um delicioso creme de castanha e de marron glacé, onde o elemento que eleva ainda mais a fasquia é o creme de dióspiro. Uma combinação mais do que certeira que culminou num grande final.
O serviço foi muito bem conduzido pelo mestre Luigi Pipparelli, com aquele jeito de que ninguém está muito ocupado a fazer seja o que for, mas que quando nos apercebemos tudo está no sítio certo, no momento certo e sem detalhes deixados ao acaso.
Considerações Finais
É fácil perceber porque é que depois da abertura do restaurante Silvia e Ricardo foram obrigados (e ainda bem) a criar os quartos e o hotel. Primeiro, não é fácil conduzir pelas estradas da Toscana depois de um jantar, segundo depois de entrar naquela quinta ninguém vontade de ir embora, ao bom jeito de Frances em “Sob o Sol da Toscana”, todos queremos em um ou outro momento ficar ali para sempre. E se não bastassem, as vistas, o sossego e o conforto, a comida também prova que se pode fazer uma ótima cozinha sem os truques mais mirabolantes, preservando a autenticidade e transportando alguma da rusticidade da clássica cozinha da região para os pratos, tudo isto sem esquecer a utilização de grandes ingredientes!
Resumindo se dormirem no Hotel é obrigatório passar pelo restaurante, se estiverem de visita à região e a Cortona o desvio diz que irão encontrar outro grande monumento da cidade!
Il Falconiere – Relais & Chateaux
Ver artigo sobre o hotel
Loc. San Martino a Bocena, 370 – Cortona
+39 0575 612 679
info@ilfalconiere.it
Fotos: Flavors & Senses
Nota
Estivemos no Il Falconiere a convite, sendo que isso em nada altera o nosso trabalho cuja opinião e o texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor.