Existem chefs que nos marcam pela extravagância da sua cozinha, outros pela simplicidade dos seus pratos, uns pelo seu ar mau e outros pela forma séria mas descontraída com que pautam o seu trabalho. Um desses chefs é Camilo Jaña, um chileno que abraçou Portugal como sendo seu e que aos 34 anos lidera alguns dos melhores espaços do Porto. Cafeína, Terra, Fooding House e mais recentemente o italiano PortaRossa seguem e somam sobre a sua batuta. Em jeito de conversa de quem partilha ideias e lugares comuns, fomos conhecendo um pouco melhor as suas opiniões.
Como é que um jovem Chileno acaba a cozinhar em Portugal?
Há sete anos atrás, depois de uma fase difícil da minha vida, sem saber muito bem o que fazer e o que queria, decidi tirar um ano sabático e vim visitar a minha irmã que já vivia no Porto há alguns anos. O engraçado é que no próprio dia em que cheguei ao Porto a minha irmã me convidou a almoçar no Cafeína e na mesa do lado estava o Vasco, que me foi apresentado e me fascinou com toda a história e ambiente do Cafeína. Como a minha irmã e o meu então cunhado eram clientes habituais e amigos do Vasco consegui que me deixassem fazer uma experiência na cozinha, para aprender a cozinha do Cafeína e aprender a falar português , a experiência correu bastante mal e acabei por regressar ao Chile, tratei do meu visto e no dia em que decido ligar para Cafeína para saber se podia voltar estavam a precisar de um cozinheiro.
Como se passa de um cozinheiro quase inexperiente a chef de um dos mais emblemáticos restaurantes do Porto?
Cerca de um ano e meio depois de estar a trabalhar no Cafeína, depois de uma fase mais atribulada da gestão das cozinhas do Cafeína e do Terra, onde estava também por ter alguma experiência em Sushi, o Vasco decidiu que eu deveria ser o coordenador. Fiquei a fazer o elo entre os dois restaurantes e a coordenação das duas equipas, e ao mesmo tempo vivia uma fase de grande interesse pela cozinha e pela criação de novos pratos, que com a abertura da Fooding House, tive mais rédea solta para poder desenvolver aquilo que era a minha visão e o meu objectivo. Em 2007, cerca de um ano após a abertura da Fooding House (Cafeína Wine & Tapas), o Vasco ofereceu-me o lugar de Chef do grupo, passando para mim a responsabilidade de criação das cartas e de desenvolvimento gastronómico, algo que sempre fez desde o início.
Como estrangeiro a viver em Portugal como vês a nossa cozinha?
Agora estou habituado e já a pratico, mas para te responder a isso vou-te responder sobre o primeiro impacto. Primeiro tive de me habituar a coisas que não conseguia comer, como a orelha ou focinho de porco ou mesmo as tripas. Acho que a cozinha portuguesa embora seja pobre em relação a outras cozinhas , e seja muito baseada no arroz e batata num registo de comida pesada, é simplesmente extraordinária na comida de tacho, os estufados, em suma, na cozinha em lume brando. Não acho que seja uma comida imediata, é uma cozinha em que os produtos são quase sempre muito manipulados, principalmente aqui no norte. Tem também outras pratos extraordinários mas que considero serem mais de uma base comum aos povos do mediterrâneo do que propriamente tradicional portuguesa.
Um produto?
A alheira é brilhante, sem dúvida um estandarte da cozinha Portuguesa.
E a cozinha chilena tem alguma influência em ti?
Sim claro, tem bastante influência, são as minhas memórias do sabor, e vou buscar muita coisa, as vezes sem que se note, principalmente na forma de tratar os produtos mais frescos, o peixe e na elaboração dos pratos frios.
Com a abertura de mais um espaço, o PortaRossa, como fazes a gestão dos 4 restaurantes?
Neste momento, depois da abertura já estou com um pouco mais de tempo. Actualmente estou centrado no PortaRossa e faço a gestão dos espaços a partir daqui, é aqui que crio os novos pratos e menus e todos os cozinheiros vêm aqui para os aprender. Depois com muitas reuniões e fazendo a circulação por todas as cozinhas revendo o mise en place, e a coordenação das equipas, mas o mais importante é a confiança nas brigadas, que se ganhou com muito trabalho conseguindo organizar as cozinhas dos restaurantes como uma família, esquecendo a hierarquia, criando mesmo um ambiente de companheirismo entre todos. É claro que grito quando tenho de gritar, mas gosto de ter um bom ambiente, depois disso motiva-me muito estimular e ensinar a minha equipa, fazer com que treinem muito e que queiram saber mais. Basicamente, acho que consigo por qualquer “gajo” a cozinhar.
Como estás a ver este sucesso do PortaRossa?
Sinceramente acabo por não ter muito tempo para pensar nisso, nem eu nem o Vasco nos iludimos facilmente e isto tem muito a ver com a humildade no trabalho que o Vasco sempre teve. O sucesso rápido que estamos a ter deve-se ao Vasco, ao meio em que estamos inseridos, a foz, e claro, como é um espaço novo acaba por ser um pouco um espaço de moda, o que torna mais fácil a sua divulgação. Agora o que me dá um grande gozo é conseguirmos pôr toda a gente a comer Pizza, desde miúdas que tu achas que não comem nada, até velhinhos de 70 anos.
Já que gostas tanto de ensinar, como vês a formação dos nossos jovens cozinheiros?
Como já te disse, a mim motiva-me muito ensinar, gosto realmente de o fazer, por isso não procuro gente com muita experiência para as minhas cozinhas, para os poder desafiar e ensinar desde as bases. Isto vem também a propósito de achar a base o mais importante de tudo, e hoje todos recebemos miúdos nas nossas cozinhas que querem ter estrelas Michelin, ou sonham em ser o próximo Adriá, só vendo a cozinha dita molecular, e quando vamos realmente testá-los na cozinha, não sabem o mais básico como fazer uma boa omelete, por exemplo. É natural que sonhem assim, devido ao que aprendem nas escolas de cozinha e o que vêem nos media da especialidade, e acho muito bem que o façam, mas sem a base nunca conseguirão dar o grande salto.
Quais são para ti os grandes princípios da cozinha?
Da parte do cozinheiro, muito rigor, alma, trabalho e um pouco de talento. Podes ser a pessoa mais trabalhadora do mundo mas se não tiveres um pouco de talento que seja, não vais conseguir chegar lá. Na comida, a qualidade do produto e a técnica, sempre a técnica, que muitas vezes acaba até por superar o produto.
E tu, onde te vês daqui a 10 anos?
No Porto, certo é, que é aqui que quero estar. Profissionalmente já sou aquilo que queria ser, por isso o que quero mesmo é poder abraçar novos projectos desde a criação de novos espaços à educação e formação de jovens talentos na cozinha.