Kei Kobayashi é um dos nomes japoneses mais conhecidos da cidade luz, com um percurso e uma paixão pela cozinha francesa difícil de comparar. Paixão essa que começou cedo, ainda em Nagano (sua terra natal) quando se encantou pelo trabalho de Alain Chapel num programa televisivo.
A partir daí começou o seu percurso na cozinha, primeiro em Nagano e depois em Tokyo, onde trabalhou com o saudoso Paul Bocuse. Aos 21 anos decidiu que França seria o seu destino, tendo passado pelas cozinhas de Gilles Goujon ( L’Auberge du Vieux Puits), do Le Prieuré e do Le Cerf, antes de se juntar à brigada de Alain Ducasse no famoso Plaza Athenée, onde trabalhou sobre a alçada de Jean-François Piège e Christophe Moret.
O minimalismo e o cuidado estético da cozinha de Kei passa também para a identidade e imagem da sala
Em 2011 o jovem Kei decidiu dar o grande salto da sua carreira, abrindo o restaurante homónimo, junto a Les Halles, no número 5 da rua Coq Héron, onde anteriormente funcionava o restaurante estrelado de Gerard Besson.
Focado em desenvolver uma cozinha de autor, centrada no produto e num grande cuidado estético, o reconhecimento da sua cozinha foi imediato, tendo conseguido rapidamente vários prémios individuais e a famosa estrela. Em 2017 chegou a vez da segunda estrela no guia francês que para muitos pecava apenas por tardia.
O centro da sala com destaque para um Costeletão Maturado de Rubia Gallega.
Mas, passemos à nossa experiência, que estamos aqui é para falar disso mesmo! Chegados ao restaurante, rapidamente percebemos a fusão entre a modernidade, o minimalismo e a estética clássica de um restaurante de alta cozinha francesa, tudo claro, limpo e harmonioso, com a equipa a movimentar-se por uma sala cheia com o equilíbrio e a elegância de uma grande orquestra.
Depois de confortavelmente sentados, somos brindados com o champagne De Sousa Brut Réserve Grand Cru, um 100% Chardonnay, de aromas fortes, com notas de flores, frutos secos e alguma floresta. Revelou-se agradável e fresco na boca e uma boa parceria para os snacks que se seguiriam.
E começamos imediatamente por despertar e refrescar o palato com um granizado de Shiso vermelho, que demonstra bem a fusão de culturas que iremos encontrar ao longo do menu. Seguiu-se uma Tartelete de iogurte fumado com sardinha e cebola roxa, um pequeno snack cheio de contrastes, com a crocância e a untuosidade a predominarem e um excelente final fumado.
Tartelete de iogurte fumado com sardinha e cebola roxa
Bermejan de ervilhas com ricotta
Interessante a textura e a leveza do Barmejan de ervilhas recheado com ricotta. Ao qual se seguiu uma Conquilha com gel de Bouillabaise, com o clássico sabor a mar, mas sem a intensidade e o picante da mesma.
Conquilha e gel de bouillabaisse
Um grande início, que faria antever uma grande experiência, e ainda nem tinha chegado o pão e a manteiga – sim sou um homem fácil de conquistar – e aqui fui rapidamente conquistado pelo sabor da manteiga, a crocância da crosta e o aroma ligeiramente amargo do pão.
A manteiga moldada à mão no Kei
Tártaro de Camarão moruno, Caviar shrenki, sopa de pêssego
Imagem irrepreensível de um prato delicioso, onde a doçura do camarão e do pêssego se conjugam bem com a riqueza do caviar enquanto as notas fumadas da espuma de iogurte elevam a dimensão do prato. Excelente!
O Jardin de legumes crocantes, salmão fumado da Escócia, mousse de rúcula e espinafre e pó de azeitonas
Um dos pratos icónicos de Kei Kobayashi, e que tão bem representa a sua cozinha de sabor, elegância e texturas. Um casamento perfeito de texturas e sabores, onde nada se sobrepõe e tudo harmoniza com a subtileza que só uma mão japonesa consegue transmitir.
A acompanhar, esteve um Pouilly Fumé, La Moynerie 2015 de Michael Redde et fils. Um Sauvignon Blanc dos bons, ainda jovens, com notas e estrutura interessantes dadas pela madeira e uma acidez invejável que fez um excelente trabalho com o prato.
Foie Gras, espuma de damasco, confit de gengibre, ameixa mirabelle e coulis de papoila
Foie será sempre foie, e a cocção ligeira de um excelente pedaço mostra isso mesmo. Grande combinação com as doçuras e notas das frutas, com um bom contraste entre doce e salgado e um “kick” de intensidade dado pelo coulis de papoila.
Porque não posso comer isto diariamente?
Robalo de linha, escamas crocantes, vinagrete de tomate e redução de Barolo
Só o trabalho técnico de colocar a pele e as escamas crocantes é digno de uma ovação. Execução sem falhas, sobre a qual são ainda colocados o limão, caviar, salicórnia e anchova. Para um contraste de sabores ainda mais acentuado e um sem fim de pequenas notas bem orquestradas surge a vinagrete, o shiso, a redução de barolo, o puré de anchova e a flor de courgette. Tudo funcionou lindamente, mesmo sem a adição de um molho ou de um caldo.
Lagostins da Escócia Fumados, fricassé de shitake, cebolinha e molho homardine
Os lagostins são primeiramente apresentados na taça onde são fumados, enquanto Charles Weyland (brilhante director de sala, já agora!) nos explica que os mesmos sofrem 3 tipos de cocção diferentes: 1º são escalfados por alguns segundos, depois cozinhados a baixa temperatura e por fim são colocados em pedras quentes e fumados. Um prato que roça o brilhantismo, quer pela simplicidade dos seus componentes quer pela demonstração do toque japonês no domínio da cozinha francesa. O fricassé de cogumelos e a cebolinha deram notas mais terrestres ao prato, dando-lhe assim mais dimensão e estrutura e o homardine (molho à base de bisque enriquecida com manteiga e nata) elevou a fasquia no sabor a crustáceos.
No copo, a escolha recaiu, não sobre o óbvio Sauternes, mas sim sobre um Chassagne-Montrachet 2015 do Domaine Coffinet-Duvernay, rico, untuoso e profundamente elegante, fazendo assim uma ótima harmonização.
Antes de passar à carne, houve ainda tempo para um clássico limpa palato – com um gelo de limão e menta.
Pombo de Vendée lacado com miso, figo assado
Este pombo é um dos pratos mais emblemáticos da cozinha de Kei, e é fácil perceber porquê! Primeiro pela combinação de ingredientes franco-japoneses, depois pela contenção na adição de elementos. A cocção da ave com o miso, o molho reduzido da sua cocção, a pasta feita com foie, chalotas e lima e o brilhante figo assado com vinho tinto, criaram uma sinfonia de grande brilhantismo. Certamente um dos melhores pratos de pombo que pude provar na vida!
Para acompanhar, outro vinho da Borgonha, desta vez um tinto, Gevrey-Chambertin vieilles vignes 2012 do Domaine Rossignol-Trapet. Um vinho elegante, marcado pela madeira mas elevado por uma acidez impressionante.
Em jeito de pré-sobremesa surge um gelado de queijo de cabra fresco com marmelada de cereja, azeite da Sicília e vinagre de Modena. Leve, fresco e delicioso, fez uma boa substituição do habitual prato de queijos, que se tornaria pesado depois de tantos pratos.
Sopas de pêssego e de manjericão, nectarina cozida, framboesa e tapioca
Uma sobremesa leve e fresca como gosto! Notas de fruta e ervas frescas, com o manjericão a aparecer não só na sopa como no gelado. O prato apresenta ainda um bom contraste de texturas e uma elegância e suavidade que surpreendem.
Baba ao Rum
A versão do chef da clássica sobremesa francesa é, neste caso, coberta com rum, chantilly, cana de açúcar de Okinawa e gelado de cana. Bom contraste, boa doçura e acima de tudo sem excessos de qualquer tipo, numa sobremesa onde normalmente se excede no álcool.
Para terminar, e com um almoço já longo, nada como um bom chá verde japonês e umas delicadas mignardises – guimauve com lima e tartelete de caramelo salgado.
Como já disse anteriormente, o serviço fluiu como uma grande orquestra, sem imposições, com bom ritmo e com domínio técnico que efetivamente nos faz pensar que também à sala a segunda estrela tardou a chegar!
Considerações Finais
Numa altura em que cada vez mais jovens chefs japoneses tomam a cozinha francesa e a cidade de Paris de assalto, Kei Kobayashi será porventura, e a par com Shinichi Sato (restaurante Passage 53), o grande líder desta mudança. Mudança essa que traz consigo, não uma data de inovações, mas sim o oposto, diria que traz contenção, respeito, paixão e a simplicidade e harmonia que só a cozinha japonesa consegue transmitir. Os sabores são mais puros, os pratos mais leves, as apresentações mais simples, mas o resultado final é de uma elegância e de uma finesse que nos faz corar de prazer.
E foi isso mesmo que senti no fim de um longo almoço no Kei, uma cozinha de autor, baseada no respeito pelo produto, na paixão pela cozinha francesa e por uma brilhante combinação de ingredientes. Sem dúvida uma das mais interessantes mesas da cidade!
Para o nosso habitual #vinhoemviagem, presenteamos o chef com um delicado Porto vintage 1980 da Warre’s
Além disso, o Kei pode ser uma descoberta mesmo para quem não quer gastar os preços mais elevados dos restaurantes estrelados de Paris, com um menu de almoço a 58€, é sem dúvida uma das melhores ofertas da cidade neste segmento.
Kei
Preço Médio – Menu de Almoço: 58€; Menu de degustação: 110/199€ (sem vinhos)
Rue Coq Héron, 5 – Paris
+33 1 42 33 14 74
Fotos: Flavors & Senses
Nota
O vinho desta edição do #vinhoemviagem foi gentilmente cedido pela Symington Family Estates