O Prado foi durante algum tempo a abertura mais aguardada do panorama gastronómico Lisboeta. Desde a sua abertura, no final de 2017, tem sido um caso de sucesso, onde, do mais conservador gastrónomo ao mais cosmopolita viajante todos se têm rendido à cozinha de António Galapito.
Lembro-me de conhecer o Galapito entre a cozinha e grelha do Mercado (ver), onde comandava o leme do espaço casual e português de Nuno Mendes. Um espaço onde os sabores e os ingredientes portugueses ganhavam outras formas e técnicas e sobre o qual me lembro também de escrever que era um restaurante que, por vários motivos, fazia falta a Portugal!
Pois bem, quis o destino que o Galapito regressasse a casa, cheio de mundo, ideias e sonhos, muito próprios de um jovem cozinheiro de 27 anos e uma convicção e um caminho traçados que poucos ousariam percorrer.
Instalado no piso inferior do Lisboans (um refinado e bem recuperado alojamento local), o Prado trouxe a Lisboa um outro lado cosmopolita, um lado aparentemente mais simples, mais preocupado com a natureza, a sustentabilidade e a origem das coisas, numa altura em que grande parte das aberturas se focavam na espetacularidade e no luxo. Pegando em Londres para fazer uma analogia, digamos que a maioria das aberturas Lisboetas queriam um pouco de Mayfair e o Galapito trouxe um pouco de Shoreditch e East London até Lisboa.
O espaço passa bem a ideia de “farm to table” e de um certo lado pós era industrial, muito comum nos países nórdicos. Amplo, bem iluminado, com uma traça muito própria e bem lisboeta, o resultado é um espaço acolhedor e bem conseguido.
Da cozinha esperam-se pratos centrados nos produtos portugueses, trabalhados com rigor e contenção, aliados a uma criatividade e a uma linha muito próprias. Uma refeição onde não se espera um menu e um circuito fixo de entrada, prato e sobremesa, a ideia é provar o máximo de pratos, partilhar e ir escrutinando ao máximo o sabor dos produtos que nos são familiares mas trabalhados por quem não tem falta de ousadia e criatividade.
Manteiga fresca de cabra, sal fumado e alface do mar
Gordura de porco batida, alho e louro
E começamos “muito mal”, com um excelente pão da gleba à base de um dos mais antigos e saborosos trigos produzidos em Trás-os-Montes (hoje quase extinto e revitalizado graças a esta nova geração de padeiros e cozinheiros). Um pão rico e saboroso com uma crosta pecaminosa que nos faz mergulhar na manteiga e na gordura como animais famintos. Um grande início, que acabaríamos por ir repetindo ao longo de toda a refeição – mas alguém resiste a um bom pão quente?
Tártaro de Arouquesa e couve galega grelhada
Carne repleta de sabor, sem exageros de tempero ou de elementos, contando com cogumelos shitake e uma gema curada para intensificar a riqueza e o umami, servida numa espécie de Taco de couve galega em que a grelha lhe dá uma tosta que a desidrata e lhe intensifica o sabor. Um pouco mais tostada e seria um tiro ao lado, assim conseguiu-se um belo momento de sabor e textura.
O que o próprio nome indica é o que nos é colocado à frente, o mar dos Açores em tiras de lula magistralmente preparadas, um caldo intensificado pela tinta da própria lula e a textura crocante do alho francês. Contenção e sabor, num grande prato que mostra bem o que é a cozinha do Prado.
Tosta de Toucinho fumado, maçã florina e poejos
Bom pão com coisas igualmente boas é sempre um momento de prazer, mais ainda quando o pão volta a ser o da Gleba, e é coberto por finas fatias de um rico e muito bem trabalhado toucinho, maçã florina (outro produto quase desaparecido), que lhe traz alguma textura e doçura, e o pejo cujas notas mentoladas refrescam todo conjunto e elevam as notas gordas da tosta. Fossem todas as sandes do país como esta tosta…
Acém de Arouquesa, alface fermentada e manteiga tostada
À semelhança da carne do tártaro, este acém estava cheio de sabor, cozinhado irrepreensivelmente e elevado pela riqueza de aromas e sabores da alface fermentada, a cebola e o molho com a manteiga tostada, onde era impossível não acabar com o pão a servir de esponja. Delicioso!
Gelado de cogumelos, cevada, dulse e caramelo
O nome deixa-nos primeiramente apreensivos, mas lembrando um fantástico gelado de cogumelos que já havia provado numa viagem à Turquia, a escolha final teria de ser esta. E em bom tempo o foi, de aspecto e composição que nos remete para um sundae, o gelado de cogumelos estava afinado na perfeição, com a doçura no ponto e uma certa salinidade que o elevava. Ótimos também os restantes elementos, com o caramelo e a cevada a trazerem o molho e a doçura que envolve o prato, e a alga dulse a trazer mais notas de frescura. Não haverá na cidade sundae que se lhe compare…
Além do talento e dos ideais o jovem Galapito sabe também rodear-se de grandes talentos, e não estou a falar necessariamente da cozinha, os produtos que apresenta no restaurante só podem sair das mãos de agricultores e produtores talentosos e cheios de paixão, o pão do Diogo Amorim (Gleba) e, claro, os cocktails da raposa silvestre que é como diz Constança Cordeiro (que acaba de abrir a sua Toca da Raposa, o novo bar da cidade). Cocktails esses que seguem a mesma base criativa da cozinha, onde sabores e ingredientes portugueses se tornam a base da mixologia. Um bom exemplo disso foi o excelente “Prado Collins” que provamos, com vodka e uma bem sacada combinação de erva doce e tangerina.
A carta de vinhos segue pelos caminhos da intervenção mínima e dos vinhos naturais, com várias opções nacionais e internacionais, que podem agradar ao enófilo mais conservador e fazer as delícias de qualquer hipster. No nosso caso provou-se um cumpridor Rufia Branco de 2016, produzido por João Tavares de Pina na Quinta da Boavista, no Dão.
Considerações Finais
É uma nova vaga de cozinheiros, de produtores e até mesmo de clientes, que está a redefinir a nova cozinha portuguesa, uma cozinha assente numa fantástica matéria prima, nas raízes e sabores mas também na leveza, na técnica e nas apresentações que o mundo foi dando a essas pessoas. Esse é um dos méritos de Galapito, até porque a cozinha portuguesa está nos seus ingredientes, e esses no Prado são respeitados como em muito poucos sítios. Além disso, junta-se um outro argumento de peso, numa balança já de si repleta de elementos positivos – a relação custo/benefício é uma das mais interessantes de uma Lisboa cada vez mais dispendiosa.
É um restaurante que fazia falta a Lisboa e que desbrava caminho, para muitos outros jovens talentos que vêem aqui um exemplo de que fazer “bom e bem é possível” neste cantinho da Europa. Para juntar à muita tinta já percorrida e a todos os comentários da Internet, o Prado acaba de ser eleito pela Condé Nast Traveller para a lista dos melhores novos restaurantes do mundo em 2018.
E não é que o foi com todo o mérito?!
Prado
Preço Médio: 35€ por pessoa sem vinhos
Travessa das Pedras Negras, 2 – Lisboa
+351 210 534 649
Fotos: Flavors & Senses