Uma manhã de calor e sol no Porto fazia antever uma escolha certeira para uma visita ao Douro, mas não era uma visita qualquer, era um passeio num comboio histórico, onde outrora se fizeram transportar Reis, ditadores e presidentes da República, agora batizado de The Presidential.
Enquanto centenas de turistas se iam encantando com os azulejos da lindíssima estação de São Bento, os olhares mais atentos iam-se debruçando sobre este comboio, fotos para aqui e fotos para ali, e este comboio presidencial bem podia concorrer com o TGV, que sairia vencedor no concurso de fama e beleza!
À hora marcada somos convidados a embarcar no antigo vagão dos jornalistas (aquele que ficava mais afastado do vagão presidencial) e é aí que percebemos que a “festa” iria prometer, mal assentamos os pés no interior do comboio somos convidados a degustar um Porto branco, um belo Niepoort Dry White, que é sempre uma boa forma de receber os amigos.
Arranca o comboio e entre o frenesim e a excitação lá se vão apresentando os vizinhos de cabine, um casal inglês acabado de chegar ao Porto, com quem acabaríamos por passar o resto do almoço e da viagem.
Começamos entre histórias e brindes (fomos renovando o stock de vinho do Porto) e o barulho do ar condicionado, também conhecido como “janela aberta”, ou não tivéssemos a viver uma experiência histórica!
Passamos assim a fase menos interessante da viagem, et voilà, somos convidados a passar para a sala de jantar, que neste caso é como quem diz almoço, para passar as cerca de 2 horas e meia seguintes a degustar a cozinha do chef Miguel Rocha Vieira enquanto vamos intercalando os olhares entre as vistas estonteantes do Douro e os malabarismos da equipa de sala!
Ivo Peralta, o escanção da Fortaleza do Guincho apresenta o primeiro vinho do almoço, o espumante Bairradino Água Viva da Niepoort
Começamos com o mar e as suas representações, ou não fosse o mar um dos elementos mais importantes da cozinha de Miguel Rocha Vieira na Fortaleza do Guincho. Entre snacks delicados como as conchas “comestíveis” e as manteigas, também elas a representar o mar, destaque para o mexilhão com pimento e para as manteigas de pimento vermelho e de algas.
É impressionante o detalhe técnico colocado na recriação de elementos marítimos
Enquanto íamos degustando os aperitivos, onde não faltou também o sempre delicado azeite da Acushla, já se fazia sentir na sala e nos corredores o aroma do caldo de marisco de que iria “regar” a sopa do mar que se seguiria.
Mariscos servidos no ponto, com um contraste de texturas bem conseguido e uma explosão de sabor a mar, que nos transportou rapidamente em direção oposta à que o comboio levava. Um mergulho no oceano bem acompanhado pelo Redoma branco de 2016, mineral, fresco e com um delicado toque salgado que faz toda a diferença.
O fantástico Conciso, o Tinto que a Niepoort produz na região do Dão
Robalo de Anzol, Alcachofras e lula dos Açores
À sopa seguiu-se o prato de peixe, um Robalo de porte considerável, acompanhado de lula dos Açores, alcachofra e molho de vinho tinto. Elementos do mar, combinados com notas de sabor a terra que normalmente servem de assinatura aos pratos de peixe do chef. Muito bom! E muito bem combinado com um vinho do Dão, que servido a uma temperatura mais baixa, demonstrou toda a sua versatilidade e capacidade. Um vinho de grande elegância!
Enquanto a paisagem se vai tornando cada vez mais deslumbrante – é uma das características mágicas do Douro, à medida que vamos entrando por ele, e percorrendo o seu trajecto, vai-se tornando cada vez mais bonito e imponente – viajamos também até ao Alentejo com um prato de Porco Preto.
O momento da colocação dos molhos é um dos mais engraçados durante a viagem, é preciso mão firme e alguma sorte!
Entre um lombo de porco, um puré de milho, pezinhos de coentrada, “bolotas” e um xárem, seria impossível uma ode maior ao animal e à sua região. Um belo prato, que não me importaria nada de ver recriado com um corte mais suculento e saboroso. No copo, aí sim voltamos ao Douro, com o “clássico” Redoma tinto de 2014, menos concentrado que em anos anteriores, com uma excelente acidez e um lado vegetal muito carismático.
Delícia do Algarve, com alfarroba, amêndoas e figos
Para terminar voltamos a viajar por Portugal, desta feita até ao Algarve, numa fusão muito bem conseguida dos habituais elementos doces da região, bolo de figo e amêndoa, gelado de flor de laranjeira, alfarroba, biscoito crocante, tudo muito bem ligado por um molho Inglês. Grande final, mais ainda quando degustado com o rico porto Niepoort Branco 10 anos, onde as notas de frutos secos acompanharam o prato na perfeição.
Podia ser caso de “barriga cheia, companhia desfeita”, mas não num comboio presidencial que pretende tornar a nossa experiência num momento único. Passado o Pinhão temos ainda uma viagem até à deslumbrante Quinta do Vesuvio, uma das grande paixões de D. Antónia – a célebre Ferreirinha – hoje nas orgulhosas mãos da família Symington.
Os portões de acesso a algumas das vinhas da Quinta do Vesuvio
Desembarcados no Vesuvio, o comboio e a equipa seguem até ao Pocinho para um merecido almoço e descanso. Enquanto isso, Gonçalo Castel-Branco, o mentor do projeto The Presidential, convida-nos a visitar a Quinta, a conhecer a Adega onde se produzem alguns dos mais clássicos Portos e vinhos de mesa da região, ou simplesmente a aproveitar a paz e sossego do Douro, que a varanda da Quinta representa na perfeição.
Conhecendo bem a Quinta de outras núpcias, optamos por aproveitar o bom tempo que se fazia sentir e a calma característica desta quinta do Douro para desfrutar de um charuto e de alguns dos vinhos da Symington, nomeadamente o Graham’s Single Harvest de 1972.
Um vinho com uma história interessante para a atual geração da Symington, já que, depois da aquisição da Graham’s pela família, foi o primeiro vinho que Peter Symington selecionou para envelhecer e que anos mais tarde o seu filho Charles, que lhe sucedeu na responsabilidade enológica, engarrafou. Rico, interminável e cheio de complexidade, é um Tawny que me enche completamente as medidas.
De regresso ao comboio somos recebidos com notas de piano na Sala Bar, enquanto o sol se começa a pôr e o Douro ganha uma cor irresistível.
É o momento do regresso e de tentar descobrir alguns dos encantos que o rio e a paisagem nos tinham deixado escapar na viagem de vinda. Uma prova de que é impossível resistir ao Douro é que após várias horas de comboio e algumas no Vesuvio, continuamos a não conseguir tirar os olhos da janela, por mais encantos e momentos que o comboio nos vá proporcionando.
Passado o Pinhão, estamos de novo à mesa, para um pequeno lanche, em jeito de homenagem à Portugalidade, com produtos nobres, que mostravam um pouco da excelência do que por aqui se faz, com conservas, enchidos da Qualifer – o emblemático talho do Pinhão que merece uma visita por si só (ver) – queijos, com destaque para o Queijo da ilha com 24 meses de cura e, claro, o delicioso pão da Gleba, ao qual ninguém tem conseguido ficar indiferente.
Houve ainda tempo para mais vinhos, sempre com o selo Niepoort, sempre com sinónimo de satisfação, e de uns docinhos produzidos pelos chefes residentes Vitor Areias e Rui Santos.
Pelo meio não faltou uma visita das históricas vendedoras de rebuçados da Régua, e o som da Guitarra Portuguesa, carregada de emoções e sentimentalismo bem português.
Mais do que caída a noite, regressamos à nossa cabine para um resto de viagem confortável e uns dedos de conversa, onde a temática era óbvia, uma retrospectiva do dia magistral que se havia passado a bordo de um comboio.
Quase no Porto, e numa fase em que o coração está mais do que conquistado, a equipa decidiu aquecer-nos a alma e aconchegar-nos o estômago, com uma recriação do clássico caldo verde, que assentou na perfeição.
Findada a viagem é tempo de despedida, tempo de parabenizar toda a organização e toda a equipa de sala e cozinha por se terem tornado verdadeiros actores, e nos terem proporcionado também a possibilidade de nos fundirmos com um cenário único. Um verdadeiro espetáculo!
E agora? Agora é esperar por 2018, que está prometido um regresso.
Fotos: Flavors & Senses