Num Antigo Solar do séc. XVIII nasceu, há quase três décadas, um restaurante que representa Trás-Os-Montes como nenhum outro, falo do Solar Bragançano, a par do castelo, é uma das principais atrações da cidade de Bragança. Além disso, foi também um dos nomeados na categoria “Fora de Portas” para os prémios “Flavors & Senses – Os Melhores Para 2015” (ver).
O conceito é aparentemente simples, dentro do casal fundador, Ana Maria gostava de cozinhar e Desidério Rodrigues gostava de caçar, pelo que se foram especializando em pratos de caça, em que a servem cozinhada em Potes de Ferro colocados na lareira, como muito poucas pessoas ainda o fazem durante o Inverno nas suas aldeias.
Assim, a palavra que mais impera nesta casa é tradição, desde a traça do antigo solar ao qual “roubaram” o nome, às suas salas com mesas bem dispostas, ao linho e loiças com tanto de histórico como de romântico, até à sua cozinha com uma carta fixa há quase trinta anos, em que apenas vão rodando os acompanhamentos da época.
Já no interior somos recebidos por Desidério, que com a casa cheia de turistas e emigrantes que em Agosto voltam às suas origens, nos guiou gentilmente até à mais romântica das salas, o jardim, decorado com bonitas mesas de ferro, e muitas, muitas plantas. Não podia ter pedido melhor cenário para um almoço de Verão no interior do País!
Já instalados fomos dando início à refeição com um maravilhoso pão torrado com azeite transmontano e um pouco de pimenta, enquanto as restantes entradas iam sendo preparadas.
Mesa transmontana é uma mesa farta e isso nota-se pelas entradas que nos foram surgindo na mesa, três tipos de queijo bem distintos, com destaque para o queijo curado com sementes de funcho produzido na região. Boa chouriça, e claro a alheira, assada na brasa como manda o histórico transmontano, esta revelou-se única, rivalizando com aquelas que cresci a comer, feitas com a mão certeira da minha avó. Houve ainda espaço para um pouco de salada de orelha, preparada de forma exímia e tempero certeiro, com o pimento a elevar os sabores.
Delicada e suculenta a Perdiz desfiada em jeito de escabeche. Acompanhada e muito bem por uns deliciosos tomates do campo, azeitonas e couve roxa, que cortaram facilmente com a untuosidade da perdiz. Se os aperitivos já tinham sido um grande sinal, este modesto prato arrasou com as expectativas!
Para os pratos principais não podíamos fugir ao pote e à caça, primeiro um Faisão, cozinhado lentamente com castanhas. Carne delicada de sabor bem marcado. A acompanhar muito bem com o puré de maça, que não só corta a “força” da caça como lhe acrescenta cremosidade e ligação. Muito bom.
Javali à Campesino, estufado em pote de ferro ao lume (14,5€)
Confesso que javali é uma das minhas carnes de eleição, tendo crescido a comê-lo regularmente (vantagens de nascer transmontano). Ana Maria prepara-o de forma exímia, suculento, tenro e repleto de sabor. O tempero é certeiro e a castanha ajuda a transportar-nos para as mesas transmontanas de outros tempos. Muito boa também a ligação com a maça ligeiramente cozinhada com compota de frutos vermelhos, a acidez e doçura a complementar muito bem o javali.
Esta sobremesa é uma das sugestões de Ana Maria, um doce de Abóbora bem preparado com os seus fios bem visíveis, como é tradição na região, e gemas de ovo, criando uma sobremesa que poderia ser uma bomba de doçura mas não foi, o doce estava lá na medida certa. Delicada e Deliciosa.
A carta de vinhos contempla todas as grandes referências nacionais, com destaque para alguns vinhos antigos, os vinhos do Douro e claro, os vinhos Transmontanos. E se nas louças e faqueiros o restaurante não falha, os copos também não ficam atrás, com uma boa seleção de copos de qualidade para os mais diversos vinhos. A harmonizar com esta refeição esteve o branco da casa, Solar Bragançano de 2013, produzido no Douro, um vinho leve e frutado de fácil degustação e o Quinta da Leda 2011, um dos vinhos emblemáticos da Casa Ferreirinha, num dos seus melhores anos. Um grande, grande vinho, repleto de elegância e complexidade que se tornou uma companhia mais que perfeita para estes pratos de caça.
O serviço é também ele único, e segue os passos dessa mesma tradição, a cozinha marca os tempos do serviço, e os pratos demoram o que tiverem de demorar, porque quem manda é a lareira e o fogão a lenha e não há tempo para pressas numa casa como o Solar Bragançano. Na sala e em dia de casa cheia, tudo vai decorrendo normalmente, com uma simpatia genuinamente transmontana e a mão única de Desidério, que entre, sugestões, histórias e brincadeiras nos faz sentir em casa!
Considerações Finais
Posso facilmente assumir que o Solar Bragançano, além de ter merecido a nomeação e muito mais, é o porta estandarte da gastronomia transmontana, um hino à tradição e o cartão de visita da cidade de Bragança. Uma sala que junta embaixadores com filhos da terra saudosos das suas memórias gustativas e viajantes recomendados pelos mais importantes guias. Um restaurante em que viajamos no tempo, para pratos de apurado sabor cozinhados a baixa temperatura com a roner e o sous vide a serem substituídos pela brasa e o pote, luz de velas e serviços de prata num ambiente histórico e charmoso do qual não apetece sair. É sem dúvida uma casa transmontana, em que somos recebidos não só como clientes mas como parte da família aos quais se serve o melhor que a terra tem para oferecer. Agora resta-me o desejo de aqui voltar durante a época da caça e provar todos estes pratos, no pico da sua forma e excelência, será certamente um deleite. Até Breve!
Solar Bragançano
Praça da Sé, 34 – Bragança
273 323 875
Nota
A refeição descrita foi oferecida pelo Solar Bragançano, sendo que isso em nada altera o nosso trabalho cuja opinião e o texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor.
Fotos: Flavors & Senses