Il Palagio

Falar do Four Seasons Firenze é falar de serviço e hospitalidade na sua máxima expressão, uma panóplia de detalhes que o tornou reconhecido como a mais emblemática propriedade sob o selo Four Seasons e mais recentemente como o 9º melhor hotel do mundo pelo recém criado 50 Best Hotels.

Entrar no palazzo della Gherardesca, poder passear pelos seus infinitos jardins (tem o maior jardim privado de Florença) e observar todo o esplendor arquitectónico que ali se vive e respira é sem dúvida uma das experiências mais mágicas que podemos experienciar em hotelaria.

Mas deixemos toda a pompa e circunstância do hotel para outras núpcias (o hotel está agora numa ampla e árdua fase de remodelação e atualização dos seus quartos, pelo que escreveremos sobre eles assim que terminados), o que nos trouxe até aqui, o bar Atrium, sobre o qual falaremos noutro artigo, e o Il Palagio, o restaurante estrelado do hotel que faz verdadeiramente jus ao nome.

No que à decoração diz respeito, e como seria expectável, nenhum detalhe foi deixado ao acaso, sendo o Il Palagio, muito facilmente, a personificação do verdadeiro “restaurante romântico”. Tetos altos, lustres, obras de arte, mesas amplas e modernamente alinhavadas para contrastar, e bem, com a restante atmosfera do espaço, fazem deste um espaço, um espaço singular e intemporal, onde nos apetece verdadeiramente estar à mesa.

Uma série de amuse bouches, divididos em várias formas e texturas criadas em torno da beterraba. Da chip ao cannoli passando por uma pâte de fruit e uma tartelete. Uma curiosidade deste amuse é que vai variando nas suas formas e feitios sempre representando um legume que esteja no seu melhor momento.

Por detrás deste símbolo florentino está, desde 2021, Paolo Lavezzini, um italiano com sotaque português que antes passou por cozinhas de palácio em Paris, como o Alain Ducasse no Plaza Athénée, o Le Royal Monceau o mítico Enoteca Pinchiorri em Florença e nos últimos anos o Fasano e o extinto Four Seasons São Paulo.

Ao assumir este “projecto de uma vida” – como lhe chamaPaolo quis também trazer um pouco da sua essência enquanto pessoa e cozinheiro, bem como as suas vivências fora de Itália. Assumido adepto de uma cozinha de KM0 rodeou-se rapidamente dos melhores produtores toscanos para criar uma carta de matriz claramente italiana mas onde não faltam técnicas e sabores bem distintos (será fácil encontrar por lá um pão de queijo, por exemplo).

Mas melhor do que a história, é passar à experiência real que nos trouxe até aqui –  depois de recebidos por quem sabe o nome e rosto dos seus clientes e já confortavelmente instalados, somos brindados com um ótimo espumante italiano Franciacorta Cabochon Fuoriserie N°024, de acidez e estrutura bem equilibradas, bolha fina e persistente e notas repletas de nuances que conjugaram muito bem com os primeiros aperitivos com diferentes texturas de beterraba.

Couve, toranja e espuma de funcho
Outro amuse bouche, também ele focado no mundo vegetal, com ótimo contraste de texturas, intensidade moderada mas repleto de frescura e boa acidez para preparar o palato para o que se seguiria.


Depois de uns deliciosos grissini artesanais, chegou a vez do pão, felizmente não o tradicional pão Toscana sem sal, mas sim um pão de sourdough da famosa padaria florentina “Leonardo”, boa manteiga e um azeite delicioso da colheita de 2023, monovarietal Frantoio da LeFontacce.

A Cenoura
Cenoura de agricultura biológica servida em diferentes texturas e sabores, desde confitada no seu próprio sumo a uma brunesa, passando por puré e oléo a contrastar com uma cinza de cevada e trigo sarraceno. Um bom jogo em torno de um só elemento, onde não faltaram notas para contrastar com a doçura natural da raíz. Nota particularmente positiva para a adição do gengibre que elevou todo o conjunto.

Vieira, abóbora, yuzu e alcaçuz
Um prato que reflete bem as aventuras além fronteiras do chef, repleto de nuances, uma vieira irrepreensível e um delicado contraste de doçura e acidez que nos faz continuar a querer mais.

 Mero negro, funcho, amêijoas e molho iodado
Peixe delicado e bons pontos de cocção num prato de profundo sabor a mar, onde mais uma vez a frescura é um ponto a enaltecer.

A acompanhar os primeiros pratos esteve um riesling Herrenberg Kabinet 2022 de Maximin Grünhaus, um vinho que apesar de ainda muito jovem apresentou bem as características do produtor e cujos aromas mais frescos e herbáceos juntamente com algumas notas maduras no palato, fizeram um ótimo paring com os pratos apresentados.

Fusilloni de Clara de ovo, salmonete, toranja e caviar osietra
Um grande prato, de execução e sabor apurado que traz a tradição italiana a uma mesa de fine dining. Pasta feita com semolina e clara de ovo, provavelmente Pietro Massi, perfeitamente conjugada com os sabores marítimos, onde se destaca claramente o sabor rico do salmonete e a riqueza do caviar. Um grande prato!

A harmonizar esteve um Barbeito Boal 10 anos. É sempre um prazer encontrar vinhos nacionais nos menus dos restaurantes além fronteiras, e aqui, a escolha foi particularmente feliz, com um vinho meio-doce que mais facilmente veríamos com um foie gras ou queijo, a funcionar muito bem com um prato de profundo sabor a mar, muito por culpa das notas iodadas e a acidez do vinho.

Cevada de Garfagnana, mão de vaca e boletus
Um cevadotto de exceção que traz mais uma vez a cozinha tradicional à mesa, cuidando-a com outro rigor e técnicas mais apuradas. Sabor e profundidade num prato de conforto que nos leva a casa da avó e nos abraça com carinho. Muito, muito bom!

“Assado não Assado”
De partida para os pratos mais ricos, o chef quis brincar com um clássico dos assados de domingo servindo apenas aquelas partes crocantes a que ninguém resiste, com um molho profundo e intenso no qual não se consegue parar de molhar o pão. Podia ser numa qualquer tasca ou osteria, mas é num palácio que perdemos as maneiras e atacamos o prato para “fare la scarpetta”.

Mil folhas de Chianina, aipo e sésamo negro
Para terminar, e porque estávamos em pleno pico, não poderia faltar um prato elevado pela magnífica trufa branca. Evidente mais uma vez a predileção do chef por adicionar elementos vegetais frescos e marcantes aos conjuntos, aqui com o talo de aipo a refrescar muito bem o estufado rico da carne e os seus molhos. Tudo aromaticamente enriquecido por um belíssimo exemplar de trufa branca.

Por mim os pratos de carne poderiam ser sempre assim!

Para estes pratos mais ricos o sommelier propôs um Brunello di Montalcino 2018 Casanovina Montosoli de Le Ragnaie, e que belíssimo vinho se mostrou.  Complexo e concentrado na medida certa, com notas de fruta negra bem madura conjugadas com aromas herbáceos e de terra que na boca se transformam num conjunto equilibrado pela acidez de final persistente e longo na memória. Um grande, grande Brunello!

Chicória italiana, iogurte e estragão
Para não desequilibrar o menu, também a pré sobremesa recorre a plantas de sabor rico e peculiar, desta feita com radicchio ou chicória italiana e as suas notas picantes a balançar muito bem com o iogurte gelado e o estragão.

Polenta, castanhas, vermute e cavolo nero
Polenta doce, preparada com leite e servida como um creme a esconder os restantes elementos. Bom jogo de texturas e de sabores de outono num final leve e fresco, no entanto, senti que lhe faltava algo mais para ser o final esperado para um menu tão bem executado.

petit fours
petit fours

O que faltava à sobremesa anterior chegou sobre a forma de petit fours, com uma ampla seleção de pequenos pecados, do torrão ao chocolate passando pelo tradicional macaron. Tudo executado com primor e delicadeza.

Sobre o serviço poderíamos escrever os mais altos laudos. A equipa comandada por Roberto Pennacchiotti foi exímia em todos os pontos, do acolhimento, ao cuidado com uma criança pequena que certamente não será o cliente mais frequente do restaurante, passando sobretudo pela descontração com que fizeram fluir todo o serviço. Muitas vezes sentimos que um serviço é demasiado forçado e que tenta demasiado os estereótipos Michelin, aqui tudo parece natural e inato. De realçar ainda mais o trabalho do sommelier Walter Maccia, que nos propôs ótimas escolhas, considerando que pedimos especificamente para que não fosse feito um pairing de 1 vinho para 1 prato. Num país cujo vinho é bandeira é sempre bom e saudável ver as harmonizações a viajar além fronteiras, sem restrições ou preconceitos.

Considerações Finais
Entrar num hotel como o Four Seasons Florença é sempre um momento especial, é entrar num mundo encantado onde todos são príncipes e princesas e o Il Palagio é a sala onde a hospitalidade se veste a preceito. A cozinha italiana de Paolo Lavezzini trouxe uma lufada de ar fresco a um certo classicismo típico deste tipo de espaços, desde logo pela combinação de texturas à escolha dos elementos frescos e vegetais que vão marcando presença em todo o menu, e que fazem desta nova era do restaurante, um marco de visita obrigatória a quem passa pela cidade. Se procuram um ambiente elegante, com serviço equiparável ou superior a restaurantes com mais estrelas e uma cozinha equilibrada e refrescante sem perder a inspiração e o conforto italiano, o Il Palagio deve entrar na vossa bucketlist de Florença.

Nós prometemos voltar!

Preços a partir de 150€ (sem vinhos)
Four Seasons Florença
Borgo Pinti, 99 – Florença

Fotos: Flavors & Senses
Textos: João Oliveira
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