A Cevicheria

Depois de uma viagem pelo globo e um imenso sucesso com o seu O Talho, muitos especulavam que Kiko Martins se mostraria num novo projeto, desta vez mais sério e complexo, um pouco à semelhança de José Avillez quando abriu o Belcanto depois do sucesso do seu Cantinho. Mas Kiko trocou-lhes as voltas e decidiu voltar a “Comer o Mundo” trazendo até Lisboa uma Cevicheria, inspirado na sua viagem pela América Latina e no sucesso mundial da Cozinha Peruana e de Chefs como Gastón Acurio ou Virgilio Martínez.

O Chef Kiko, como é conhecido, demonstra aqui mais uma vez a vontade de marcar o panorama gastronómico da capital, com ideias fora da caixa e uma capacidade única de as fazer vingar no mundo real. A concepção de todo o projeto demonstra bem toda essa capacidade, desde  a escolha do espaço, no cada vez mais concorrido Príncipe Real, que não sentará mais de 26/28 pessoas, as enormes portadas, que dão uma luz natural única à sua decoração, onde o interior branco nos faz sentir ainda mais essa luz, o balcão que ocupa a maior parte do espaço e onde é possível comer enquanto nos vamos entretendo a observar os cozinheiros na preparação ao vivo dos pratos, e claro o Polvo, que será certamente uma das novas atracções da cidade de Lisboa. Não há quem fique indiferente a este polvo que ocupa grande parte do teto e que serve como elemento quase único de decoração, não há cliente que não o fotografe nem transeunte que não pare a observá-lo. Um genial golpe de Marketing.

Mas passemos ao que realmente interessa, a comida, a carta está divida em pratos principais e sobremesas, com uma série de ceviches, e alguns pratos quentes, além de um interessante menu de Degustação (6 pratos – 35€). Como fomos mais à hora do lanche que de almoço, para evitar filas (o restaurante funciona das 12h30 às 00h e não aceita reservas), optamos por partilhar alguns pratos.

couvert

A acompanhar um correctíssimo Pisco Sour (cocktail Peruano à base de pisco, sumo de Lima, clara de ovo, xarope de açúcar e angustura) chegou o couvert (2,5€), com uma boa manteiga com tinta de choco, e um simpático dip de tomate com ricotta e azeitona. Como pão, umas leves tostas de pão de trigo e pão de milho feito na casa, acompanhados também por umas ótimas Canchas, que é como quem diz um tipo de grão de milho maior ligeiramente tostado com sal, como há milhares de anos se come na região dos Andes. Muito Bom.


Ceviche “Puro”, Corvina, cebola, leche de tigre, algas wakame e batata doce (11,80€)

O peixe varia de dia para dia, utilizando sempre peixes brancos com boa capacidade para aguentar o tempero cítrico, como a garoupa o pampo ou a corvina que nos foi servida. A batata doce aparece em duas texturas, crocante e num levíssimo puré que quase parece uma espuma, um apontamento interessante que dá, não só novas texturas, como também mais alguma substância ao prato. Nota altíssima para o tempero do Leche de Tigre, pujante quanto baste, e para a introdução das algas. Muito bom.

Quinoto do Mar, Quinoa, camarão, pampo, berbigão, mexilhão, algas e espuma de ostra (13,60€)

Foi sem dúvida o momento mais memorável da refeição. Quinoa cozinhada como risotto, mas sem o peso do queijo e da manteiga, cozinhada num caldo semelhante ao de uma caldeirada de marisco e acompanhado de alguns habitantes do mar e um pedaço de Pampo bem selado com a pele crocante. O que mais nos fica na memória não é certamente a quinoa, os mariscos ou as texturas, mas sim o sabor a mar que se sente naquele prato, da conjugação do caldo com as algas, o marisco e a brilhante espuma de ostras, ali tudo é mar e cada garfada é uma espécie de mergulho no fundo do oceano!

Doce de Leite e Piña Colada, Torta recheada com doce de leite, creme de cocô e abacaxi caramelizado com rum (6,30€)

Na América Latina quando o assunto é doce, é mesmo doce, e com a Cíntia à mesa não havia como fugir ao doce de leite, para mal dos meus pecados! Já na mesa, revelou-se aquilo que se esperava, uma sobremesa bonita, que nos transporta para outras latitudes. Uma torta bem conseguida, doce sem ser maçuda, mas muito doce como se esperava. A acompanhar muito bem o creme que lhe dava alguma leveza mas beneficiaria certamente de um sorbet, fosse ele de abacaxi ou piña colada. Escusado será dizer que para a Cíntia estava perfeito!

A acompanhar a refeição houve Pisco Sour (7,5€), Gin Tónico (9,50€) e uma boa limonada (3€). Já a carta de vinhos é curta com algumas opções mais frescas e próprias para os pratos apresentados.

O serviço é mais uma das assinaturas de Kiko Martins, o tal Chef Kiko da Tv, informal e descontraído com um profissionalismo bem acima do posicionamento do restaurante, já comi em restaurantes com a famosa estrela michelin em que os pratos não me foram tão bem apresentados. Nota ainda para o aspeto cuidado de toda a equipa, da “sala” à cozinha, do bar ao balcão tudo tem aquela “pinta” que nos transporta para um ambiente cosmopolita em que chefs são estrelas de rock e capas de revista. Podíamos estar em Londres ou Nova Iorque, mas não, era mesmo Lisboa.

Considerações Finais
A Cevicheria é mais um projeto, bem pensado e bem montado por Kiko Martins, que depois do sucesso das carnes mostra audácia nos peixes. É uma cevicheria de base clássica, com um ambiente único, da sala à banda sonora que nos tira de Portugal por alguns instantes. A comida não sendo tão arrojada como a de alguns projetos de base peruana que têm surgido na Europa, demonstra uma qualidade notável e alguns pratos difíceis de esquecer, como o caso daquele Quinoto do Mar. É um espaço em que tudo funciona bem, dos pratos ao serviço passando pelo marketeer Polvo e certamente pelas longas filas de espera que as Sextas e Sábados devem atingir. Agora é esperar por um regresso a Lisboa e provar o resto da carta.

A Cevicheria
Rua D.Pedro V, 129 Lisboa
218038815

English Version

Fotos: Flavors & Senses

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